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segunda-feira, 11 de julho de 2016

OH MEU DEUS - Ultra Trail Serra da Estrela 100K+ [Parte 1]

Uma prova que não estava no meu calendário. Uma prova para a qual não me preparei. Uma prova sem estratégia. Uma prova onde só vi o gráfico uma semana antes. Um dia de prova onde não descansei. Uma chegada à partida 5horas antes de começar.  Duas quedas, uma aos 17kms e outra aos 37kms, em ambas o que me salvou de cair para o abismo foram raízes e pedras que me travaram pela zona testicular (doloroso, mas ajudou). Manadas de vacas no meio das estradas. Rebanhos de cabras no meio dos trilhos. Uma prova perfeita até à segunda subida à Torre. Uma Garganta de Loriga demolidora. Pés com alergia, bolhas e doridos. 25kms finais de sofrimento. 36kms que demoraram quase tanto como os primeiros 72. 109kms, 5800D+, 25h34'11". A minha prova. O meu Oh Meu Deus - Ultra Trail Serra da Estrela 100K+!


Depois da pouca sorte que se abateu sobre mim na Madeira, entrei numa fase de nojo à corrida que fez com que o sofá fosse trocando os trilhos a pouco e pouco. Entretanto surgiu a oportunidade de ficar com um dorsal para o Oh Meu Deus 100K+ e pensei "Porque não?". Apesar de no pós-MIUT não ter treinado quase nada, sentia que os treinos de preparação ainda se faziam sentir no corpo e achei que esta prova seria a melhor hipótese de completar o objetivo de completar uma prova com mais de 100kms, sem ter de recomeçar tudo do início ou perder grande parte do trabalho que tinha feito. A estratégia não fugiria muito da delineada para o MIUT em termos de nutrição em prova e a gestão de esforço parecia-me ser mais fácil. Vai daí e arrisquei mesmo. Durante o mês de Maio, corri cerca de 90kms, muitos deles em plano ou com um desnível muito baixo. No dia 3 de junho, pelas 19horas, tinha o meu dorsal na mão.

O Oh Meu Deus - Ultra Trail Serra da Estrela é a verdadeira imagem de quem a organiza, tanto para o bem como para o menos bem: a Horizontes. A Horizontes tem no seu core de prova, o conceito de "maraturismo", que não é mais do que fazer turismo ao mesmo tempo que vamos a uma prova. Esta prova não foi diferente. Com várias distâncias - 160, 100, 70, 40 e 21kms - permite que cada um vá na que se sente mais confortável, que grupos de amigos participem em diferentes provas e que se encontrem todos no final para festejar. É uma organização que pauta as suas provas por percursos rolantes com zonas de grande dificuldade. A OMD não foi diferente. Tem as distâncias e o desnível suficiente para que a elite lá queira ir mostrar o que vale, ao mesmo tempo que consegue ser suficientemente "rolante" para que o atleta de fundo da tabela como eu a consiga acabar e rejubilar com o seu feito. Os 109kms que fiz são sinónimo disso: estradões largos e compridos que nos permitem soltar as pernas, a tempo de recuperarem para a subida ou descida técnica e desgastante/demolidora/violenta que se aproxima. No entanto, se há ponto onde acho que costumam estar menos bem é na marcação do percurso. E, mais uma vez, o OMD não foi exceção. Quando durante o briefing da prova ouvi o Paulo dizer que em algumas zonas teríamos dificuldade em ver as fitas e que teríamos de andar a procurar o caminho, tomei aquilo como um mau presságio, que se veio a confirmar. Se a organização faz o percurso antes da prova, se sabem que esta ou aquela zona mais complicada, o melhor mesmo é "descomplicar" e prender mais fitas. Prendê-las de 5 em 5 metros - ou menos - se for preciso. O que não pode acontecer é que durante a primeira subida à Torre, ainda noite escura e com algum nevoeiro à mistura, haja um comboio de cerca de 15 atletas à procura de uma fita que lhes indique o caminho a seguir. O que não pode acontecer é que em zonas de arvoredo alto e denso, as fitas estejam presas ao nível dos nossos joelhos, colados numa rocha ou mesmo atrás de um bloco de granito. O que não pode acontecer é seguirmos uma estrada e ao chegarmos a uma bifurcação não haver indicação de por onde ir, ou encontrarmos uma fita a 200m e depois de uma curva. Em lado algum diz que é obrigatório ter um relógio GPS para participar nestas provas, menos ainda uma pessoa é obrigada a ter um para se poder inscrever. Lembro que o vencedor deste ano do MIUT levava um Casio, daqueles dos anos 90, e nunca se enganou no caminho, precisamente pela marcação imaculada. Outro pormenor durante o percurso é a ausência de alguém da organização ou voluntários a ajudar na indicação do caminho a seguir, alguém nos cruzamentos, alguém nas zonas mais perigosas ou vá, alguém que seja durante o percurso sem ser nos abastecimentos. Eu vi pessoas a atalharem caminho durante a enorme descida em esses, depois da primeira ida à Torre. Vi quem tenha feito os esses a direito. Ok, aqui está na consciência de cada um os seus atos, mas se houvesse alguém durante o percurso a ver os atletas, sentiam-se menos corajosos para se enganarem a eles próprios. De resto, abastecimentos sempre nos kms certos, sempre com tudo e mais alguma coisa, sempre com gente simpática e a querer ajudar os atletas. A equipa médica na Torre a fazer um belíssimo serviço, impedindo que quem quer que fosse saísse de lá em risco de entrar em hipotermia. Uma medalha bem gira e uma chegada à meta com uma boa receção de quem lá passou a noite (organização e equipa médica). Um último detalhe que acho que muitas organizações fazem: ter um final de prova exageradamente difícil. Acho que o desafio da prova deve estar nos seus primeiros 90%, permitindo que os kms finais sejam de alegria e onde os atletas preparam o seu melhor sorriso para as câmaras que os esperam na meta, em vez de terem de enfrentar mais uma subida ou descida técnica, que os vai deixar a desesperar pelo fim da prova e com um ar desagradado ao cortarem a meta.

Atenção: esta é apenas a minha opinião e que não deve ser tomada como a opinião dos outros atletas que participaram no OH MEU DEUS - Ultra Trail Serra da Estrela.

Antes da partida.


PS: O resumo da prova fica para esta semana ainda!

quinta-feira, 19 de maio de 2016

TSF Runners 3ª edição

No passado sábado, dia 14 Maio 2016, participei pela primeira vez na 3º edição da corrida TSF Runners.

Não era uma corrida que fizesse parte dos meus planos, muito por causa de ser em estrada e só 10kms, mas foi-me oferecido um dorsal e não resisti em ir lá e tentar um novo PBT.

[Ok, confesso. O maior motivo que me levou a aceitar foi o querer terminar uma prova depois do que se passou na Madeira. É, ainda, uma coisa que não esqueci, que me custa a aceitar e que pensei que atenuasse depois de correr uma prova do início ao fim. Ajudou um pouco, vá.]

Adiante... Apesar de ter um dorsal, estive quase para não ir. Depois ia de certeza. A seguir já não sabia se ia e acabei mesmo por ir. Não, não estou a ficar esquizofrénico, mas o dia de sábado foi um tanto ou quanto atribulado. Já o expliquei no facebook do blog, mas como nem todos lá vão, deixo aqui como foi em 15 pontos:

1- Acordar às 8h.
2- Ir tomar o pequeno almoço à Padaria Portuguesa.
3- Sair de Lisboa e ir adotar um cão à Lourinhã, através da Associação Projecto JAVA.
4- Ir com o pequeno cão ao veterinário e chamar-lhe Pistacho.
5- Chegar a casa às 15horas e almoçar uns noddles de frango instantâneos.
6- Ir ao Continente comprar comida, comedouro e brinquedos para o Pistacho.
7- Chegar a casa às 16h10 e equipar à pressa.
8- Sair de casa às 16:37.
9- Chegar à partida às 16:59.
10- Esquecer da fita para partir nos sub45 e partir no final de todos.
11- Correr que nem um louco até ao primeiro abastecimento porque não bebemos água em todo o dia.
12- Tentar apanhar o pacer dos sub40'.
13- Cruzar a meta e perceber que se fez um novo PBT.
14- Tirar foto à medalha, ao tempo no relógio e às sapatilhas Crivit (Lidl) e postar nas redes sociais.
15- Ir para casa e chegar lá 1h40 depois de ter saído.

Espetacular, não é?! E querem conhecer o Pistacho? Aqui está ele...

Pistacho. A ver se cresce e me acompanha nos treinos!

Sobre o meu desempenho. Era mesmo o que estava a precisar, acima de tudo, a nível anímico. Podia ter sido melhor se, de facto, não me tivesse esquecido da pulseira sub45'. Mesmo a chegar a 1 minuto do tiro da partida, entrava no meu bloco e evita ter de ir para o fim da pequena multidão que ali se reuniu numa tarde de sol para encher Belém de cor e boa disposição. A minha posição na geral podia ter sido melhor, mas o que conta é o tempo bruto, por isso...

Bem, tiro de partida e caminho devagar em direção ao pórtico de partida, sem forçar ultrapassagens ainda antes da contagem (para mim) começar a sério. Assim que ligo o relógio, ligo também o chip mental de competição e acelero a tentar ultrapassar tudo e todos. Aos fim de umas centenas de metros, encontro pessoal amigo e não resisti a meter um pouco de conversa. Este primeiro km foi o meu mais lento, feito em 4'22".
A partir daqui a estratégia foi tentar ultrapassar o pacer dos sub45' e, depois, fazer os possíveis para apanhar o dos sub40'. Com um 2º, 3º e 4º km a 4'06", 4'12", 4'21" respetivamente, o primeiro pacer foi rapidamente apanhado. Imprimi um ritmo mais vivaço, de acordo com o que o corpo me permitia tendo em conta que estava mal alimentado, arranjei uma lebre e os 5 kms seguintes foram feitos entre os 4'15" e os 4'16". Um autêntico relógio suiço. O último km, feito a 4'10", não foi o suficiente para conseguir um tempo abaixo dos 40', mas o suficiente para conseguir um novo recorde pessoal. Assim, terá de ser na corrida do Sporting que vou tentar chegar a este patamar.



Sobre a organização: Três abastecimentos numa prova de 10kms não se vê em todo o lado. Muitos voluntários a darem-nos água e a apoiar os atletas. Uma boa logística na divisão dos percursos das duas provas principais (5kms e 10kms), que evitou que andassem a correr lado a lado ou uns contra os outros. Uma meta com espaço suficiente para os atletas que chegam não terem de se sair dali à pressa. Uma medalha íman, um garrafa de água, uma maça e 2 pacotes de leite (que recusei) foram dados no final. Uma corrida para as crianças com vários insufláveis, fez-lhes as delicias e proporcionou-lhes momentos de grande diversão. Em resumo: tudo impecável e mais não se podia pedir. Não encontrei nenhuma falha e é uma prova que terei todo o gosto em voltar a repetir.

Por último, este recorde pessoal foi obtido com uns sapatos do Lidl, marca Crivit, e que me custaram 20€. Não, não têm a tecnologia de ponta das sapatilhas de 150€, mas, para mim, são impecáveis e mais que suficientes para estas corridas. Por isso, já sabem, às vezes o melhor não é o mais caro.


segunda-feira, 9 de maio de 2016

O (meu) MIUT - Madeira Island Ultra Trail 2016

Faz hoje 2 semanas que me sentei no topo do Pico do Areeiro e olhei para os picos que não percorri, para as escadas que não subi e para os trilhos que não me ficaram gravados na memória. No sábado anterior, pelas 16horas e alguns minutos, parava o relógio ainda antes de entrar no carro que me levaria a Curral de Freiras.



Duas semanas se passaram e muito ainda se fala, escreve e lê sobre esta prova que atrai milhares de atletas e outros tantos de acompanhantes. Um prova que cresce ano após ano e que é hoje uma das provas que integra o Ultra Trail World Tour. E é fácil perceber o porquê. Realizada numa ilha, que nos permite atravessá-la e conhecê-la em todo o seu esplendor e com uma organização que não deixa nenhum pormenor ao acaso. As marcações são quase de 5 em 5 metros, os voluntários são altamente prestáveis, os abastecimentos ricos e com condições para que os atletas não se sintam demasiado apertados (pelo menos foi o que senti), uma logística de entrega de dorsal rápida e eficaz e de transporte que deixa qualquer transportadora profissional a léguas. A receita perfeita para uma prova de sonho.



Falar do MIUT é falar de heroísmo. E antes de continuar, tenho de destacar os dois grandes heróis desta edição: Zach Miller, que fez o impensável e completou os 115kms em menos de 14horas, 13h52m para ser mais preciso; e Caroline Chaverot que pulverizou o anterior tempo feminino em mais de 3 horas, terminando em 15h e com um tremendo 8º lugar à geral.
E eu também quis ser um dos heróis que atravessa a ilha desde Porto Moniz até Machico, também eu quis ostentar orgulhosamente o colete finisher. E não havendo uma boa forma de o dizer, talvez a mais 'engraçada' é que trouxe de lá um colete tamanho DNF. Há, no entanto, quem diga que sou herói só pelo simples facto de ter participado na prova, que todos os que arrancam com a intenção de a terminar já são heróis, que os heróis do MIUT são todos aqueles que nele participam. Mas eu não concordo nem um pouco com isto. Herói é aquele que sai de Porto Moniz, que atravessa os picos e vales da ilha e que chega à meta, não necessariamente dentro do seu tempo previsto, mas sempre dentro do tempo limite da prova. Dito isto, eu não me posso considerar herói do MIUT. Eu apenas fiz aquilo que qualquer pessoa que já tenha corrido uma prova acima da distância da maratona pode fazer: inscrever-se e começar a prova.

E a minha prova começou em Outubro, quando me inscrevi nela e percebi que tinha de me preparar bem para o que me esperava. É certo que uma prova como esta não tem preparação possível. Dificilmente alguém que a tenha corrido pode afirmar que está completamente preparado para o que vai enfrentar. Correr em trilhos é sempre uma incógnita e isto aumenta exponencialmente em relação à distância da prova. O que podemos fazer é prepararmo-nos o máximo possível para que consigamos manter corpo e mente dentro do plano que levamos delineados. Ninguém no seu total discernimento mental se propõe a correr o MIUT sem ter um plano para a prova e sem treinar arduamente para minimizar a dor. Porque falar do MIUT é também falar de dor. Dor desde o momento em que sofremos ansiosamente pelo tiro da partida, dor nos primeiros kms em que sentimos as pernas 'perras' e descoordenadas, dor quando subimos os picos, dor quando descemos aos vales, dor quando os kms já se acumulam nas pernas, dor quando um lado da mente nos diz para parar e o outro diz que temos de continuar apesar das dores, e ainda dor nos dias que se seguem ao cruzar da meta. É certo que a alegria de terminar nos vai fazer esquecer todas as dores, mas ela vai sempre existir.

MIUT é dor, alegria e heroísmo.

Eu não fui exceção à regra. Também me preparei o melhor que consegui. Encontrei quem me pudesse dar orientação em todos os aspectos (treino, nutrição, equipamento, plano de ação in loco, etc), e dediquei-me afincadamente. Dedicar-me afincadamente quer dizer que foram muitas horas na serra, com muitos kms e muito desnível percorridos; que troquei manhãs no quente e conforto da cama por manhãs de chuva, frio e dor nos trilhos; que negligenciei quem comigo vive, família e amigos; que foram 6 meses onde tudo girou em volta da prova. E toda esta dedicação deu resultados. Quando no dia 23 de Abril de 2016 esperava ansiosamente pela partida, enquanto revia tudo mentalmente, enquanto me passavam mil coisas pela cabeça, sabia que tinha feito tudo para que conseguisse terminar a prova, tinha estudado todos os xs, ys e zs que iriam surgir, estava consciente de algumas variáveis que pudessem aparecer repentinamente e preparado para elas. Tinha na cabeça a fórmula resolvente para esta imensa equação. Não havia dúvidas, não havia medos, não havia mais nada a não ser o plano e o barulho dos atletas e dos espectadores.

Mas quando cruzei a linha de partida, fui invadido por um estranho silêncio. Via as pessoas a mexer as bocas e a aplaudirem, mas não as ouvia. Dentro da minha cabeça apenas ressoava o som da concentração. O plano traçado consistia em nunca me deixei levar pela tentação de correr demasiado rápido no início da prova, em nunca forçar demais um ritmo que pusesse em risco a continuação na mesma. Apesar do tempo limite no primeiro corte ter sido reduzido em 30', sabia que era exequível se fosse num ritmo calmo mas constante. A primeira subida, a ziguezaguear por Porto Moniz é feita quase toda a andar e a evitar as escadas para conseguir manter uma passada certa. Evitar escadas o máximo que pudesse fazia parte do plano para evitar desgaste das pernas. Ultrapassei e fui ultrapassado. Tivemos um estrangulamento ao km 2 quando o percurso passa por um lance de escadas onde não se consegue ir lado a lado. Andei até começarmos de novo a descer, onde soltei as pernas e pude finalmente apreciar os gritos do público que ali estava, debaixo de chuva, a aplaudir-nos. Ao km5 chegamos à base do primeiro km vertical. Quer dizer, à base do primeiro km e meio vertical. Um subida com cerca de 7kms, com 1487D+ e que nos levaria até ao Fanal. A progressão fazia-se lentamente, não tanto por cansaço, mas porque o terreno estava muito difícil. A chuva que caíra nos dias anteriores tinha deixado os trilhos completamente alagados e enlameados. A chuva miúda que agora teimava em cair só desapareceu quando ficámos acima das nuvens. Para mim foi um alivio, pois a combinação de chuva e do vapor de calor que libertava, eram sinónimos de óculos sempre embaciados. Cheguei ao Fanal (primeiro checkpoint) com 2h57'. Tinham sido quase 3h para percorrer 13kms. Por esta altura já tinha tomado 2 géis e 2 cápsulas de sódio. O plano era tomar uma cápsula e um gel de hora a hora. O abastecimento do Fanal parecia um campo de guerra. Atletas por todo o lado a rodearem as mesas repletas de tudo e mais alguma coisa (já vi casamentos com menos comida) e voluntários e assistentes pessoais a darem-lhes comida e bebida. Fiquei o tempo suficiente para encher os dois bidons de água. 7h30m pode parecer muito para fazer 28kms, mas estamos a falar da Madeira, por isso, o plano era fazer o mínimo de paragens, uma vez que levava nutrição comigo.

Arranquei do Fanal preparado para a primeira grande descida que me levaria a Chão da Ribeira. Uma descida com cerca de 4kms e com 823D-. Ia no meio de um grupo de atletas onde uma coisa era mútua: ninguém queria acelerar ali. A descida era muito técnica e estava muito perigosa devido à lama. Era possível sentir a concentração a flutuar no ar. Os frontais não iluminavam nada mais que o chão imediatamente à nossa frente. Ninguém ousava olhar noutra direção que não para a biqueira dos seus sapatos. De vez em quando ouvia-se um "You ok?", dirigido a alguém que tinha escorregado. Eu também o ouvi. Por duas vezes. Da primeira vez fiquei sentado nuns degraus de terra, da segunda vez quando me tentei equilibrar, sem sucesso, caí de forma esquisita no chão. Foi a partir daqui que o meu destino começou a ficar traçado. Levantei-me e tentei perceber até que ponto aquela dor no joelho iria ficar ou desaparecer. Decidi que tinha era de andar e logo se via. Alguns metros depois, uma atleta à minha frente escorrega e desliza uns dois ou três metros pela lama. Quando se levantou, olhou para o chão e ofendeu-o com todos os nomes feios estrangeiros que ela conhecia. Não percebi nenhum, mas a sua entoação não era simpática. Chego finalmente a Chão da Ribeira e percebo que tenho 3h15' para fazer os 10kms que me separam de Estanquinhos e do primeiro corte horário. Mais uma vez, estamos a falar do MIUT, e de mais um km vertical com 1100D+ em 4kms. Três horas pode parecer muito mas não é. Voltei a encher os bidons e arranquei.

Esta subida até Estanquinhos foi das coisas mais difíceis que já tive de fazer desde que ando nisto dos trilhos. É complicado explicá-la por palavras, mas quem já fez Piódão e subiu a Fórnea, esta é 10 vezes pior. A inclinação é brutal, o terreno massacrante (com a agravante da lama), ninguém consegue falar e só se consegue ver os sapatos de quem vai à nossa frente. Nos momentos em que paramos para respirar ou tirar um gel da mochila e olhamos para cima, vemos pequenas estrelas brancas e vermelhas até onde o pico termina, que mais não são que os frontais de outros atletas. Segui num comboio de 6 ou 7 pessoas a um ritmo lento. Tão lento que comecei a olhar para o relógio e a temer que não conseguisse passar antes do corte. Mas também não era capaz de ultrapassar. Íamos num single track e ultrapassar não só era perigoso como não conseguiria manter o ritmo durante muito tempo. Decidi manter-me com aquele grupo, que apesar de lento ia constante, e acelerar depois da subida. Este, apesar de tudo, era um ritmo confortável para o joelho, que começava a dar sinais quando tinha de dobrar mais a perna. Pelo caminho fomos passando por alguns atletas sentados em pedras e troncos, claramente conscientes que não iram passar do primeiro corte. Mais uma vez subimos até nos encontrarmos no meio das nuvens. Quando ficámos acima delas tive uma das visões mais espetaculares de sempre: um manto branco acinzentado, que lembrava uma cama infindável de algodão, iluminado por uma lua gigante e pela luz do meu frontal. Durante alguns segundos fiquei parado a observar aquela fotografia surreal. Quando a mente voltou para a corrida, corri. Corri em plano, corri a descer, trotei nas subidas, esqueci o desconforto no joelho. Só queria chegar a Estanquinhos antes do corte. Finalmente começo a ver as luzes do abastecimento e sorri ao ver que iria conseguir. Entrei nele com 7h04m. Tinha demorado 7h04m para fazer 27,7kms. Por esta altura já o Zach Miller tinha saído de Curral das Freiras e corria a segunda metade da prova.

Aqui fiz uma paragem maior. Era altura de comer algo mais que gel e beber um recovery. O plano nutricional estava a ser seguido e estava a funcionar bem. Nunca senti fome, nunca senti quebras, nunca senti que as pernas não tinham combustível, e isso deixou-me feliz. Se no Fanal parecia um campo de batalha, aqui já se viam as primeiras vitimas. Muitos eram os atletas que já estavam sentados e não iriam continuar. Era visível nas suas caras a tristeza e a desilusão. O dia estava a começar a nascer e pela primeira vez senti frio. Tinha arrancado só com uma camisola e a t-shit de alças dos Pernas de Gafanhoto, e senti necessidade de vestir o impermeável e as luvas. Quando saí do abastecimento 10-15' depois de ter entrado, sabia que aquele seria o fim para muita gente, mas não tinha sido para mim. Tinha ultrapassado um dos meus maiores receios. Porquê este receio? Façamos as contas: o MIUT tem 115kms e 7000D+; em 27,7kms (menos de 1/4 de prova) temos cerca de 3000D+ (quase metade). o que torna este segmento demolidor e um autêntico cemitério.

A descida de Estanquinhos até Rosário brinda-nos com um km vertical negativo e todo o tipo de trilho possível, desde o estradão, passando por levadas e acabando em escadarias.. No entanto, para quem a fez com o dia a nascer, é também brindado com novo espetáculo natural que envolve nuvens, picos montanhosos, sol e um céu de tons laranja avermelhado. Tirei a única foto durante toda a prova e é a que está a ser usava como header deste blogue.


Seguia confiante até que o joelho me começou a lembrar que existia e que estava ali para me dificultar a coisa. Sempre que tinha de descer uma zona mais técnica, sempre que tinha de dobrar um pouco mais a perna, a dor aparecia. E cada vez mais intensa. Comecei a ficar muito apreensivo. Quando cheguei às escadas percebi que iria ter problemas sérios. Comecei a pôr tudo em causa. Comecei a pensar em todos os esforços que tinha feito e que poderiam ser arruinados por causa de um joelho e de uma dor que nunca em 6 meses de treino tinha sentido. Evitei ao máximo ir pelas escadas, aproveitando, sempre que possível, o terreno inclinado. A chegada a Rosário foi conseguida à custa de muito sofrimento. Enchi os bidões, tomei um gel e segui. Sentia-me a perder muito tempo e ainda estava longe de Curral das Freiras. Pelo meio, ainda tinha de ultrapassar a subida à Encumeada e todos os degraus que lá me levariam.

Se o joelho tinha respondido mal à descida, respondeu ainda pior às escadas. Sempre que o levantava para subir um degrau, parecia que alguém me enfiava uma faca na parte interior e abaixo da rótula. A cada subir de degraus soltava um esgar de dor e um ou outro impropério. Estava numa zona lindíssima, o trilho que nos leva até lá acima tem tanto de infernal como de belo, e eu não estava a conseguir aproveitá-lo. Nem o trilho nem a prova. Foi aqui que pensei que a minha prova estava acabada. No entanto ainda faltavam uma meia dúzia de horas para o próximo corte. Tentei ao máximo abstrair-me da dor, baixei a cabeça e segui. Ao fim do que me pareceu 10000 degraus, cheguei ao topo e tinha agora umas centenas de metros de alcatrão a descer até ao Hotel da Encumeada. Tinha previsto chegar a este posto pelas 10horas da manhã, cheguei lá às 11h04m. Aqui aproveitei para comer umas bananas, umas fatias de bolo, uma sopa, beber um café e novo recovery. Aproveitei para me sentar e descansar um pouco e ir à casa de banho lavar a cara. Tomei também um comprimido para as dores. Afinal de contas estava prestes a entrar no segmento mais longo, cerca de 15kms, e, quando saí do abastecimento, tinha 3h30m para chegar antes das 15h.

A saída da Encumeada reservava-me a passagem por um dos sítios que mais curiosidade tinha em ver: o pipeline. Infelizmente para mim, foi também aqui que tive a certeza que não iria terminar a prova. A "escalada" que ladeava o enorme tubo metálico verde era feita através de degraus em cimento, de tamanho mais ou menos irregular, mas sempre mais altos que a canela, alguns a chegar ao joelho. Subir cada um deles era sentir uma dor enorme que me fazia cerrar os olhos e ranger os dentes. Naqueles 500m de escadas já tinha perdido cerca de 30'. Quando as terminei e entrei nos trilhos onde qualquer pessoa pode andar para conhecer a ilha, o estrago estava totalmente consumado. Qualquer movimento que me obrigasse a dobrar a perna causava-me dor. Decidi tomar um segundo comprimido, mas quando os procurei na mochila percebi que o saco com os comprimidos, o telemóvel e as pilhas de reserva tinham ficado no hotel. Estava demasiado longe para lá voltar e ainda tinha uma réstia de esperança em chegar a Curral de Freiras a tempo de poder continuar. Se o conseguisse, não diria nada sobre a minha lesão e continuava, com todas as consequências que isso poderia trazer. Seguia agora desanimado, dorido, completamente exposto a um sol abrasador que me fazia escorrer suor para os olhar e que foi a desculpa ideal para libertar algumas lágrimas. Não sendo um trilho muito técnico, era uma subida constante, onde eu tentava correr sempre que conseguia. Queria muito, muito chegar a horas, mas para onde quer que olhasse só via um trilho a ladear os picos e sem fim à vista. Quando finalmente terminei aquele troço, entrei na descida para Curral de Freiras. Eram 14h34m e ainda me faltavam 6kms, os primeiros 4 muito técnicos e os últimos 2 pelas ruas e escadas da vila. Ainda tentei esboçar uma corrida, mas não durou mais de 200m. Era o momento de enfrentar a triste verdade: o meu MIUT estava terminado. Durante a descida foi ultrapassado por outro atleta, que me perguntou se estava bem e a quem eu pedi que avisasse a minha família que estava lesionado mas a ir ao encontro deles (João Mata, dorsal 293, se estás a ler isto, obrigado por os teres avisado). Continuei o meu caminho, um passo de cada vez, sofrendo sempre que mexia a perna esquerda, até que fui apanhado pelo segurança/vassoura da prova. Vinha com um grupo de voluntários e que me acompanharam até ao ponto onde me iriam levar de carrinha até ao posto de vida em Curral de Freiras. Foi neste momento que ele me cortou o dorsal, tirando o pedaço do DNF, e oficializou o que eu já sabia. Fiz o resto do caminho sem dizer uma palavra. Quando cheguei, fui recebido pela minha família, que me abraçou, beijou e felicitou com o mesmo entusiasmo que fariam caso tivesse terminado a prova.



Com esta prova e com a lesão que me impediu de a terminar, percebi que só treinar arduamente, ter um plano calculado ao metro, saber quando e de que forma fazer a nutrição e estudar bem o percurso, não é o suficiente. Em todas as provas, e ainda mais numa prova destas, há que ter uma "estrelinha da sorte" ao nosso lado. Ter a sorte de não cair, de não assentar mal um pé, de não comer nada que afete o estômago, que mil e uma coisas que podem acontecer e para as quais podemos não estar preparados não aconteçam. E o que me entristece a sério é que não tive esta "estrelinha" comigo, ou que apenas esteve presente durante os treinos e que me abandonou nos primeiros kms da prova. Eu fiz tudo, tudo conforme o previamente planeado. Cumpri 95% de um plano de treinos ao longo de 6 meses, testei equipamento e nutrição e levei os que melhor me adaptei, subi sempre com uma passada curta e constante, evitei as escadas tanto quanto possível, desci cautelosamente e sem arriscar nada, e, mesmo assim, uma lesão imprevista proveniente de uma queda à partida inocente, impediu-me de cruzar aquela meta e, também eu, ser um dos heróis do MIUT. Não foi este ano, mas a Madeira é, sem dúvida, um livro por concluir.

Como disse, o MIUT é dor, alegria e heroísmo, mas alguns apenas lhe sentem a dor.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

IV Inatel Piódão Ultra Trail

Conhecem aquela expressão "Nadar, nadar, e ir morrer na praia"? Pois, eu no dia 2 de Abril corri, corri, e morri em Piódão.

Foi nesta prova, no Inatel Piódão Ultra Trail, que me tornei ultramaratonista. Uma prova que me levou 10horas e 24 minutos da minha vida, mas que me trouxe ensinamentos que me servirão para o resto  desta mesma vida. Por isto, voltar lá era inevitável. Era, aliás, uma decisão que tomei assim que a terminei da primeira vez.

Mas este ano havia algo de diferente, algo maior que Piódão a acontecer: o MIUT. E Piódão acabava por surgir no momento ideal para um último treino longo de preparação para a Madeira. Mas com uma condicionante: a prova era para ser feita a ritmo de treino e não de competição. Afinal de contas, a prioridade das prioridades eram (e são) os 115kms que ligam Porto Moniz a Machico. Mas eu queria fazer melhor que o ano passado, queria vingar-me da Fórnea, contemplar as eólicas a alta velocidade e acabar a prova ainda de dia, se possível, antes das 17h da tarde.

A saída de Lisboa foi às 4:30, com pequeno almoço tomado, e com uma bucha preparada para comer 1h antes da corrida (uma sandes de fiambre e um batido de proteína). A chegada foi quase às 8h, o que me permitiu ver o sol a nascer por detrás dos montes e serras, transformando o céu num laranja vibrante que nos deixa com um enorme sorriso na cara e vontade de subir trilhos até o atingir. Dorsal levantado e voltar ao carro para equipar.

A caminho da meta, o encontro com caras conhecidas, de outros trails, de outras provas, de outros treinos... Encontrar o Mister José Carlos Santos e ouvir os seus conselhos de última hora. Na zona da partida encontrei o Filipe Torres, companheiro de grandes treinos e companheiro (pelo menos na partida) do MIUT. A partida foi dada alguns minutos depois das 8h, e contornámos o hotel até entrarmos nos trilhos.

Sobre a prova em si, podem ler o que escrevi no ano passado ou a crónica do Filipe que tem mais jeito para descrever os tracks que eu. Vou falar da forma como ataquei a prova durante as suas várias fases, mas de forma resumida: corri sempre em plano, nas longas subidas em ziguezague fui a trote até ter de começar a andar, não me deixei intimidar pela subida da Fórnea, fazendo-a em metade do tempo do ano passado, atacando bem as descidas, parando menos tempo nos abastecimentos e, muito importante, fazendo uma nutrição em prova quase perfeita, seguindo à risca as indicações daquilo que terei de fazer na Madeira.

Foi uma prova totalmente diferente da anterior. As sensações durante a prova deixaram de ser a de superação por estar a correr há tanto tempo, para serem de estar a correr tanto em tão pouco tempo. Diz-se que a prova só começa na subida da Fórnea, e não deixa de ser verdade. Aqueles 1200m, num constante subir técnico de declive bastante acentuado, rebentam com as pernas de qualquer um e transformam qualquer sorriso que se traga num esgar de dor e tristeza. O ano passado quando lá cheguei já ia desgastado e subi-la foi um verdadeiro martírio; desta vez, mantive um ritmo constante, com passos pequenos e com os bastões a ajudar, e, quando dei por mim, estava vencida.

Mas então, se tudo correu tão bem, por que é que disse aquilo do 'morrer na praia' no inicio do post? Porque como disse, em termos de nutrição fiz um trabalho quase perfeito. Se na ingestão de hidratos fiz o suficiente, na ingestão de sais e sódio já nem por isso. O ideal seria tomar cerca de 300mg de sódio de hora a hora. Infelizmente só tinha 3 cápsulas comigo, por isso, tomei-as num intervalo a rondar as 2 horas. E isto, parecendo que não, teve repercussões na parte final da prova. A cabeça queria ir mais rápido, o peito conseguia aguentar o esforço, mas as pernas já tinham dificuldades em manter o ritmo que empreguei durante 90% da prova. Do último abastecimento até à meta eram cerca de 3kms, com pouco declive mas quase sempre a subir. E, por muito que tentasse, não conseguia correr o suficiente para o que precisava. Olhava para o relógio, olhava para o hotel e, percebia a cada passo que dava, que ia falhar o grande objetivo das 8h. Quando cruzei a meta, o relógio marcava 8h04m.

Morri na praia, fiquei a escassos minutos de conseguir o tempo que tanto ambicionava, mas, no entanto, retirei 2horas e 20minutos ao meu tempo anterior. Melhor ainda, foi um ótimo treino para a Madeira, que me permitiu ver o quanto evoluí, o efeito do treino, entrar no ritmo competitivo e ter uma enorme vitória anímica para o MIUT.

Sobre a organização, o que já estamos habituados: bons voluntários, bons abastecimentos, boa sinalização e bom ambiente. O ponto negativo é mesmo o prémio finisher. Se o ano passado nos deram um íman para o frigorífico enorme a representar uma casa de xisto, tão típica da região, este ano deram-nos uma colher de pau com um autocolante da prova. Enfim, a malta também não vai lá pelo prémio, mas pelos trilhos. Os prémios são outros e sempre pessoais.

Não sei se para o ano lá volto, é uma prova que me está marcada e pela qual sinto um grande carinho, mas terei de ver como estão os meus objetivos nessa ocasião. De qualquer forma, Piódão, esta não foi a última vez que nos encontrámos. Até um dia.



 



terça-feira, 29 de março de 2016

Correr ou Morrer

“Mas o que é ganhar? Qual é a verdadeira vitória? O que é que, quando ultrapasso a linha da meta, me faz ficar com pele de galinha, sentir os pés a flutuar e não conseguir evitar uma vontade de chorar, de gritar com todas as minhas forças, de desatar a correr e atirar-me ao chão ao mesmo tempo? O que é que me fez sentir dentro desta redoma? A verdadeira vitória não reside em cortar a fita da meta, não é subir ao degrau mais alto do pódio. Nada disto faz com que as pernas tremam de medo e emoção. Ou, quando muito, pode fazê-lo quando recordamos o que vivemos antes. A vitória, a real, é a que reside nas profundezas de cada um de nós. É a que não conseguimos acreditar que, apesar da preparação e do nosso empenho, podemos alcançar, mas que acaba por acontecer. É como se, apesar de conscientemente e com a calculadora na mão, passadas muitas horas de preparação, passados muitos dias de treino, de nos convencermos de que somos capazes de ganhar, ou simplesmente acabar a corrida, houvesse uma coisa no nosso inconsciente a dizer-nos constantemente que é impossível, que é demasiado bom, demasiado grande, demasiado incrível para ser verdade. Que oq eu queremos conseguir não passa de um sonho. E quando atravessamos a meta, quando olhamos para trás e vemos que é real, que somos de carne e osso, e que aquilo que só parecia passível em sonhos se tornou realidade, é que nos apercebemos de que esta é a verdadeira vitória.
Ganhar não quer dizer acabar em primeiro lugar. Não quer dizer bater os outros. Ganhar é vencermo-nos a nós próprios. Vencer o nosso corpo, os nossos limites e os nossos medos. Ganhar significa superarmo-nos a nós mesmo e tornarmos os nossos sonhos realidade. Houve muitas corridas em que acabei em primeiro lugar mas em que não me senti um vencedor. Não chorei ao atravessar a meta, nem saltei de alegria, nem as minhas emoções foram uma tempestade sem rumo. Tinha, simplesmente, de ganhar a corrida, acabar à frente dos outros e, antes e durante a corrida, sabia, tinha a certeza de que chegaria em primeiro lugar. Sabia que não era um sonho, e em momento algum me perguntei o que seria não ganhar. Era fácil, como um cozinheiro que abre o seu restaurante de manhã e sabe exatamente como o bife lhe vai sair. Não há nenhum desafio, não há qualquer sonho do qual tenhamos de acordar mais tarde. E isto, pelo menos para mim, não é ganhar. Pelo contrário, vi grandes vencedores, pessoas que se ultrapassaram a si próprias e que cruzaram a linha da meta a chorar, sem forças, mas não de esgotamento físico e sim, sobretudo, por terem conseguido acabar o que sabiam que, no fundo, só era fruto dos seus sonhos. Vi pessoas sentarem-se no chão depois de atravessarem a meta do UTMB e ficarem sentadas nesta posição durante horas com o olhar perdido, com o maior sorriso dentro delas, sem acreditarem bem que aquilo que acabavam de fazer não era uma rasteira mental. Sabendo que ao acordar podiam dizer que sim, que conseguiram, que venceram todos os receios e que desceram dos sonhos para os tornar realidade. Vi pessoas que, apesar de chegarem depois de os primeiros já terem tomado duche, almoçado e de até j+a terem dormido a sesta, se sentem vencedoras, e não trocariam o que sentem por nada deste mundo. E invejo-as, porque, no fundo, não é por isso que corremos? Para saber que somos capazes de vencer os nossos medos, e que a fita que cortamos quando atravessamos a linha da meta não é sustida por assistentes mas sim pelo que os nossos sonhos determinam? A vitória não é sermos capazes de levar o nosso corpo e mente ao limite para descobrir que estes limites nos permitiram descobrir novos limites? E levar mais longe, pouco a pouco, os nossos sonhos?”
– Em Correr ou Morrer, de Kilian Jornet.


Ontem à noite, deitado na cama, enquanto lia isto, senti uma enorme vontade de começar o MIUT! Acima de tudo, encontrei palavras que vão ao encontro do que penso, e que estarão na minha cabeça durante a prova.

segunda-feira, 28 de março de 2016

370 dias depois do primeiro.

No dia 2 de Abril de 2016 vou ao Inatel Piódão Ultra Trail, que, como quase todos sabem, foi a prova onde me "tornei" ultramaratonista. Tinham passado apenas 153 dias desde que fiz a minha primeira prova em trilhos, uma prova de 15kms e com muito pouco desnível, lá pelos lados da terra que me viu crescer, mas que deixou o 'bichinho' do trail que se haveria de transformar em 'monstro'.

370 dias depois do meu primeiro ultra trail, em Piódão, volto lá. E se da primeira vez levava toda uma inexperiência do que era correr uma prova desta distância e desnível, com o tempo e desgaste físico que acarreta, sem treinos em dia e pouco conhecimento de mim próprio, desta vez levo toda uma preparação (para uma prova que não esta), que me permite olhar para o IPUT com um sorriso de confiança em vez do de incerteza que usei em Março de 2015.

Entre a prova anterior e esta, muito aconteceu. Fiz mais duas ultras (Monte da Lua 55K e Rocha da Pena 65K) e treinei muito, muito mesmo. Tenho equipamento que me vai ajudar na progressão, percebo a importância da nutrição em provas longas e sei quando e em que quantidades a devo fazer durante a corrida. Acima de tudo, não vou para o desconhecido sem preparação. É certo que cada prova é uma prova, que tudo pode acontecer, mesmo o mais imprevisível, mas sinto-me bem mais capacitado para um desafio destes.

Os objetivos são apenas 3: terminar a prova sem lesões, entrar um pouco no ritmo competitivo e conseguir melhorar o tempo do ano passado.


Aaaah, se possível, fazer a prova toda com este sorriso na cara!


quinta-feira, 24 de março de 2016

Um barbudo na Madeira - III



Medo

Falta um mês (menos um dia) para o início do MIUT, para eu cruzar a linha de partida ao lado de outros 599 atletas, e estou apavorado! Sinto um medo maior que aquele que senti quando era miúdo e vi o Seven às escondidas dos meus pais. Sempre que vejo uma foto da prova, um vídeo da prova, um relato de alguém que já lá esteve, mesmo que seja motivacional, fico com um misto de ansiedade e de pânico. Os batimentos disparam e todo eu sou sensações esquisitas e apertos no estômago.

Se me perguntarem se o problema é falta de treino, terei de dizer que não. O treino tem sido intenso quanto consigo. Semanas de 70 kms e 3000D+ são uma constante. Treinos de escadas e algum ginásio (não tanto quanto deveria) fazem sempre parte da ementa. Monsanto, Sintra e Montejunto - a qual agradeço ao Filipe por ma ter apresentado - têm sido as escolhidas. Monsanto porque está perto de casa, Sintra pela variedade de trilhos e Montejunto porque tem mais altimetria e subidas muito longas com bom desnível. Mas nada, nada, ou quase nada, pode preparar uma pessoa para a brutalidade que é o MIUT.

E o meu primeiro grande medo não é saber ou não se chego ao fim antes das 32h limites. O meu maior medo é saber se consigo sobreviver aos primeiros 30kms da prova e conseguir fazê-los em 7h30m. Estes primeiros 30kms têm uns impressionantes 3000 positivos, o que, vendo bem, é o que fazia mais ou menos por semana. São subidas longas, técnicas e com escadas. Se no ano passado o limite era de 8h, este ano retiraram-lhe 30minutos, que pode ser "a morte do artista". A ideia é conseguir chegar lá com uma folga de 1hora e, a partir daqui, ir aumentando esta folga nos limites seguintes, para que, e se, chegar à parte final, consiga descer tudo o que subi antes das 8h da manhã.

Depois, claro, o outro medo prende-se com o facto de nunca ter corrido mais de 65kms seguidos e não faço ideia se aguento tanto km, tanto desnível e tanta hora de uma só vez. Já aqui disse que quando pensei em arranjar treinador (já depois da inscrição feita), a primeira coisa que ele me disse depois de ver o meu historial foi que era muito cedo para fazer o MIUT. E esta é a mesma opinião de quem já o fez ou de quem já fez provas igualmente longas e duras. Eu próprio sei - por muito que me custe admitir - que pode ser, realmente, cedo para lá ir. Afinal de contas, comecei a correr em trilhos há cerca de ano e meio e fiz o meu primeiro ultra há um ano. E quanto mais treino, mais percebo a tarefa hercúlea a que me propus. Quando faço treinos de 6-7horas e lhe meto 2200 positivos, com descidas técnicas de 2kms, e fico todo rebentado das pernas, percebo que isto não é nem uma décima parte daquilo que me espera na Madeira.

Por último, não sei como vou reagir ao correr durante duas noites. Leio relatos de malta que se deixa dormir enquanto corre. Que para para descansar um pouco e adormece imediatamente. Que começam a ter alucinações e a ver o caminho por onde não o há. E aquilo é alto, aquilo é cheio de ravinas e de crateras onde se cair nunca mais ninguém me encontra. E é óbvio que isto também me assusta bastante. Não me assusta o deixar-me dormir, assusta-me o poder cair por uma ravina a baixo e morrer. Pior!! Não acabar a prova por causa disso!

Por outro lado, para me afastar estes fantasmas que, por agora, me perseguem os pensamentos, sei que lá vou ter a minha família. A minha namorada, irmã e pais vão lá estar naqueles dias e, espero eu, na meta, não importa as horas a que chegue. Sei que o apoio deles vai ser fundamental para os momentos em que a cabeça me vai dizer para desistir, que já chega ou que o meu corpo não foi feito para aquilo.

Por outro lado, sei que este medo que sinto é bom. Que me faz encarar a prova com o respeito que ela merece e não como se fossem "favas contadas". Sei que este medo me fará ser cauteloso na minha progressão e, ao mesmo tempo, me fará avançar para não desiludir quem acredita em mim e a mim próprio.



segunda-feira, 21 de março de 2016

Para o homem que ama a sua barba (e para a mulher que ama o seu barbudo).



No outro dia, no facebook do blog, lembrei-me de perguntar ao pessoal qual era o artigo/produto com o qual nunca saíam de casa antes de um treino importante ou prova, com medo que tudo corresse mal.Esperei as respostas mais mirabolantes, tipo homens de cuecas cor-de-rosa e mulheres com unhas dos pés pintadas de várias cores diferentes. Mas ao que parece, o que o pessoal tem mesmo medo, é de ter um desarranjo intestinal e não ter onde se limpar ou ter de estragar um buff. E depois de dar a minha resposta, que é caprichar no cuidado da barba, fiquei a matutar numa coisa. Cada vez vejo mais homens a usarem barba, menos comprida ou mais comprida, mas a ostentarem a bela da pilosidade facial. E lembrei-me que no último treino social (aquele anti-social das escadas) estavam presentes imensas barbas e bigodes. Reparei, no entanto, que nem todas estavam devidamente cuidadas. E como vocês sabem, eu sou corredor mas também sou barbudo. Faço da corrida e da barba um estilo de vida. É por isso que dou tanta importância ao equipamento que compro, quanto tenho cuidado a tratar da minha barba.
A pensar nisto e nos homens que amam a sua barba - e nas mulheres que amam um homem barbudo – vou dar-vos uma sugestão (não pode ser sempre coisas de corrida): Le Beard!

A Le Beard é uma marca portuguesa que oferece produtos e artigos que nos vão ajudar a ter uma barba cuidada e apresentável, que vai fazer inveja nos outros e deixar o mulherio em delírio. É muito provável, não sendo 100% certo, que mulheres que não conheçam de lado algum, vos peçam se podem usar a vossa barba como almofada. Voltando à marca, têm uma grande gama de produtos, cada qual com várias opções diferentes, que vão dos óleos – que uso todos os dias -, aos shampoos, aos bálsamos, às ceras para o bigode, não esquecendo pentes, tesouras e lâminas para ajudar a definir o corte da barba. Neste momento estou a utilizar o Black Rebel porque o Full Mint já se acabou. Entretanto, terei de encomendar mais porque também se está a acabar. Outra coisa que quero experimentar é o shampoo, pois é das coisas mais difíceis de se arranjar. Não vale a pena usarem um shampoo do cabelo na barba, pois só vai estragar e secá-la.

A minha experiência com a marca está a ser muito positiva. Gosto do odor que liberta e de não ser muito gorduroso. A barba fica sempre com um aspeto brilhante, mas se alguém mexer nela, não fica com óleo nas mãos. O que faço é aplicar o óleo todos os dias pela manhã, depois do banho ou de lavar a cara, e, depois de almoço, quando já não sinto tanto o aroma, molho as mãos e passo com elas na barba, o que vai libertar de novo o cheirinho bom. O Full Mint é especialmente bom para quem for guloso, pois o aroma a after eight delicioso, fá-los-a criar água na boca. Mas cuidado, pode dar-se o caso de começarem a comer a vossa própria barba. Outra coisa que gostei foi da embalagem. Uma pequena caixa de cartão onde a garrafa vem, é sempre melhor que um frasco embrulhado em papel de bolinhas de ar.



Porque é que estou a falar disto? Porque a minha luta por encontrar produtos bons é uma constante. Encomendar do estrangeiro fica caro e é um processo moroso, e se mandarem vir de fora da Europa, arriscam-se a ficar com eles retidos na alfândega. Depois, é um produto nacional e que por isso merece ser partilhado.

Se quiserem ver melhor os produtos, vão ao site da Le Beard e façam a vossa primeira encomenda, para vocês ou para oferecerem ao vosso barbudo favorito. Acreditem que não se vão arrepender!

Saudações Barbudas (e corredoras, vá…)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Aprender a andar.

Ao contrário dos animais, quando nascemos não temos a capacidade de andar, nem tão pouco o conseguimos fazer após dias, semanas ou meses. Um animal quando nasce consegue dar os primeiros passos ao fim dos primeiros minutos; nós, somos completamente dependentes nos primeiros anos de vida.

Primeiro temos de conseguir ter força para aguentar o peso de uma cabeça demasiado grande para um corpo frágil. Depois conseguimos rebolar. Gatinhamos e, por fim, damos os primeiros passos. Posso dizer que, ainda hoje, estou a aprender a andar. Quantas e quantas vezes, ainda tropeço nos meus próprios pés ou em qualquer pequena elevação estranha no chão. Por isso, se ainda mal sei andar, muito menos sei correr. Podem dizer que correr é só meter um pé à frente do outro a uma velocidade mais rápida que se fosse a caminhar, e não estão totalmente enganados. Acontece que, ao dar estes passos mais rápidos numa estrada que não seja regular - imaginemos um trilho -, é preciso conseguir coordenar esses movimentos com a visão e com as ordens vindas do cérebro. E isto, parecendo que não, é das coisas mais complicadas que existem. Não há uma única vez que vá correr em que não torça um pé, dê um pontapé numa pedra ou raiz e que quase me mate colina abaixo. É justo dizer que não sei correr. É com grande preocupação que penso que tenho 115kms para percorrer em finais de Abril, muita preocupação mesmo.

Mas só correr não chega. Ou melhor, convém ter ajuda para correr. Assim, no passado domingo, fiz o meu primeiro treino com bastões. O que me deixou ainda mais apreensivo em relação ao MIUT - Madeira Island Ultra Trail. É que, se não bastasse já a dificuldade em coordenar pernas, pés, olhos e cabeça, agora ainda tenho de conseguir coordenar braços e bastões. Tudo ao mesmo tempo. O bastão direito acompanha o pé esquerdo e o bastão esquerdo o pé direito, mas, às vezes, vão os dois bastões ao mesmo tempo enquanto os pés continuam alternados. Mais, tenho de conseguir enfiar as mãos pelas correias enquanto corro e antes de chegar a uma subida, tirá-las quando acabar de subir e carregar os bastões durante os 115kms que me separam de Porto Moniz a Machico. Ainda estou a aprender, os bastões ainda se atravessam à frente dos meus pés quando aparece uma curva ou quando sigo por um trilho mais técnico, ainda não consigo perceber bem como é que me vão ser úteis a descer quando tudo me atrapalha mais do que ajuda.

Sei apenas três coisas: vou mesmo precisar deles, vou meter ter de aprender a correr com eles e vou mesmo ter de trabalhar estes braços sub-desenvolvidos no ginásio para aguentarem a sova que vão levar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A queda de um mito.

Ao subir a serra, a queda de um mito.

Quando decidi começar a correr e a participar em provas, fui conhecendo novas pessoas que me foram servindo de inspiração para querer sempre um pouco mais: um pouco mais longe, um pouco mais rápido, um pouco melhor. Quando dei o salto da estrada para os trilhos, as inspirações mantiveram-se, mas surgiram novas. É natural, afinal de contas, estava a conhecer uma nova modalidade onde havia pessoas que corriam dezenas de kms, em alguns casos, centenas. E aquilo fazia-me uma imensa confusão como é que alguém era capaz de correr tanto e durante tanto tempo e estar vivo no dia seguinte para passear com a medalha ao peito. Tendo em conta que passei dois dias a gatinhar depois do meu primeiro trail de 30kms e 4 dias com um andar esquisito depois da minha primeira maratona, aquelas pessoas só podiam ser sobrenaturais.

Entre algumas dessas pessoas que passei a seguir atentamente, um gajo que se auto-apelida de "O Gordo", agarrou o 1º lugar e por lá ficou. A juntar aos seus feitos, a sua escrita agarrava-me ao ponto de obrigar a minha namorada a ler as suas crónicas e a seguir a sua página. O tempo foi passando e eu ia lendo e vendo a sua evolução e as suas provas. "O Gordo" é finisher do MIUT e finisher do UTMB, coisa que me deixava de olhos esbugalhados e queixo caído uma vez que ele era gordo... Diz que pesava muitos quilos, mais de 100, umas suiças à homem, e isso ainda me deixava mais estupefacto. Enviei-lhe um pedido de amizade pelo Facebook mesmo sem o conhecer ou ter estado com ele. Quem sabe, ele podia marcar treinos e eu até podia ir um dia com ele. Nunca aconteceu. O ir com ele, porque os treinos ele anunciava-os.

Foi, portanto, com grande satisfação que soube que ia estar com ele num treino em Sintra no sábado passado, organizado pelo ZCS. Acho que estava mais nervoso em conhecê-lo do que com o treino. Quando o vejo chegar, deixei-me estar quieto e calado no meu lugar, nem lhe estendi a mão. Ele estava a cumprimentar quem conhecia e eu era apenas o gajo novo que lhe dava pelo peito. Mas foi aqui que o mito que criei à volta desta pessoa se foi desvanecendo. Afinal "O Gordo" devia ser alcunha com muitos anos, porque de gordo não tinha nada. Aliás, a cara apresentava sinais evidentes de magreza. Ok, é um gajo grande, alto e corpulento, mas isso deve-se aos anos a jogar rugby. Suiças, nem vê-las. A única coisa que vi foram dois troncos que ele chama pernas. Juro que a barriga da pernas dele são maiores que as minhas coxas! Depois, para alguém que diz estar a aprender a correr e que corre devagar, que é sempre o último onde quer que vá, foi com alguma desilusão que o vi a passar por tudo e todos, fosse numa descida ou numa subida.

Mas a maior desilusão foi no seu carácter. Desde que comecei a ler as suas crónicas e testemunhos que o imaginei como aquela pessoa que está ali sempre para ajudar os outros, com uma palavra amiga e um incentivo quando estamos a ir abaixo. Nunca esperei, por isto, que fizesses o que me fez. Resumindo, enquanto ia o ZCS a liderar o grupo por uma daquelas subidas infindáveis e técnicas que deixam as pernas a arder, este senhor ia atrás de mim e ouvi-o dizer baixinho "Pergunta lá ao Zé se ele vai estacionar", ao que eu, cansado e sem conseguir respirar ou falar, balbuciei qualquer coisa sem nexo. Foi então que ele grita "Ó Zé, o Eduardo pergunta se vais estacionar na subida para nós te passarmos!". O que se passou a seguir foi um ZCS a desaparecer de vista e um Sr. Ribeiro a correr atrás dele, enquanto se ria e nos ultrapassava a todos.

Quando acabei de subir, o mito tinha caído.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Leilão Dorsal Solidário Fim da Europa

Olá amigas e amigos, companheiras/os de estrada e de trilhos.

Hoje venho falar convosco acerca de algo um pouco diferente.

Estava inscrito na prova Fim da Europa, a realizar no dia 31 de Janeiro na bela Serra de Sintra. Acontece que fazer essa prova será queimar dias de treino para o meu grande objetivo de terminar o MIUT, pelo que decidi não ir à prova.

Entrei em contacto com a organização sobre alterar os dados do meu dorsal para outro atleta e a resposta que recebi foi que, devido à grande procura para esta prova, seria injusto para quem não conseguiu inscrever-se antes de esgotar. Falámos mais um pouco e chegámos a um acordo.

O MEU DORSAL SERÁ LEILOADO E A MAIOR OFERTA GANHARÁ.

OBVIAMENTE que o DINHEIRO DO LEILÃO não será para mim, mas para uma INSTITUIÇÃO DE SOLIDARIEDADE. Pensei em duas instituições: Obra Padre Gregório (http://obrapadregregorio.org/) e Casa da Criança de Tires (http://www.casadacriancatires.net/), mas se quiserem doar a outra, não faz mal, claro.

E que tem este dorsal diferente dos outros? Bem, para além de ser solidário, com este dorsal poderão partir na primeira vaga, às 10h, e terão transporte gratuito para voltarem para Sintra, depois de chegarem ao Cabo da Roca, cortesia da organização.

As regras são simples. Quem quiser este dorsal, só tem de deixar aqui um comentário com a sua licitação. Caso seja a licitação vencedora, deverá efetuar a transferência desse valor para a instituição e enviar-me o comprovativo. Quem ganhar terá 24horas para fazer enviar o comprovativo. Caso não o faça, passará para a pessoa imediatamente antes.

O leilão vai estar ativo até ao dia 20 de janeiro.

A base de licitação são 15€.
Agora, quem quer ajudar? :D

PS: Quem não quiser licitar, pode sempre partilhar. ;)

Nota: As licitações terão de ser, sempre, pelo menos, 1€ acima da anterior.


Para participarem só têm de CLICAR AQUI e deixar a vossa licitação nos comentários do post.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Um Barbudo na Madeira - II


O Guloso.


Tivesse eu nascido no tempo da Monarquia e tivesse a sorte de pertencer à família real, quando chegasse a Rei o meu cognome seria, sem dúvida nenhuma, 'O Guloso'. Também poderia ser 'O Gordo', mas a verdade é que sempre fui mais guloso que gordo e, para efeitos dramáticos, guloso funciona melhor neste texto.

A minha infância e adolescência foi passada no Alentejo, afastado das cidades, onde as brincadeiras passavam por jogar ao berlinde, às escondidas, à sirumba, a saltar encostas com mais de 3metros de altura para montes de terra mais ou menos fofa. Isto criava amizades e, claro, os dias de aniversário eram dias de grande festa onde reuníamos os nossos amigos em nossa casa para comer rissóis, bolos de vários tipos, mousses de chocolate, gelatinas, tortas Dan Cake, e tudo aquilo que mais conseguíssemos empurrar goela abaixo. E eu conseguia empurrar muita coisa, mesmo muita. Não saía da mesa enquanto não tivesse provado um pouco de tudo, pelo menos duas vezes. Só quando atingi a idade adulta é que deixei de ser o guloso comilão que era e me tornei uma pessoa mais ponderada, exceção feita em rodízios de sushi.

Mas, curiosamente, foi na fase adulta que voltei a ser guloso. Não tanto por açúcar e doces, mas por outro tipo de vicio. Depois de quase 2 anos a trabalhar sentado em frente a um computador, adquiri tal forma que já tinha de desabotoar as calças para estar minimamente confortável. Decidi começar a correr. Com as primeiras corridas veio um notório emagrecimento. Com o passar dos kms em treino, decidi participar na primeira corrida oficial.  Tal como não me lembro qual foi o primeiro doce que comi e me tornou num devorador de bolos, também não me lembro qual foi a minha primeira corrida oficial. O que sei, e me lembro, é que aquele ambiente que envolve uma corrida me tornou num ávido devorador de provas. A partir desse momento, andava sempre à procura de outra e de mais outra e sempre que fazia uma, ficava logo a pensar que a teria de repetir no ano seguinte. Das provas de 10kms até à distância da meia-maratona foi um pulinho. Mas até à distância da Maratona, foram mais 4 anos. Não sei explicar porquê. Medo não era. Talvez fosse respeito pelos 42,195 metros. Sim, era mesmo isso. Respeito. Afinal de contas, se 21kms já me custavam, nem queira imaginar o que seria correr o dobro da distância. Entretanto, depois de fazer a primeira Maratona (Lisboa, 2014), fiz logo a segunda (porto,2014) no mês seguinte e uma terceira (Madrid, 2015) passados 5 meses da segunda. Em 6 meses fiz 3 maratonas. Depois de tanto tempo a controlar-me, devorei esta distância como se necessitasse dela para viver.

Mas se na estrada tive um percurso pautado por alguma sensatez com o aumentar nas distâncias, nos trilhos a história foi um pouco diferente. Em finais de Outubro de 2014 fiz a minha primeira prova de trilhos, coisa de 14kms, que me deixou completamente louco pela modalidade. A fome que me deu foi tanta, mas tanta, que em Dezembro já estava a fazer uma prova de 30kms - que me levou 5horas a completar e me deixou sem conseguir andar sem arrastar os pés nos dois dias seguintes - e em Março de 2015 estava a fazer o meu primeiro ultra trail, o Inatel Piódão Ultra Trail, com 53kms - que me levou 10h27' a concluir. No espaço de 5 meses passei de uma prova de nivel 1 de 14kms para uma prova de nivel 3 com mais de 50kms. Pior, daqui por 3 meses vou estar a correr no Madeira Island Ultra Trail, uma prova com 115kms. Uma prova que muitos lá vão depois de alguns anos a correrem, de muitas outras provas e quando se sentem realmente preparados. Eu, vou lá 16 meses depois da minha primeira incursão nos trilhos.

Isto será o equivalente a ver uma mesa cheia de bolos, inclinar uma ponta, colocar-me na outra de boca aberta e deixar entrar tudo, pratos incluídos.


Como ainda tenho algum discernimento, percebi que se queria enfrentar uma 'mesa' destas, teria de encontrar alguém que me ajudasse. Depois de o encontrar, foi-me pedido que lhe enviasse o meu historial de treinos e kms corridos nos anos anteriores. Em 2013 tinha 350kms corridos, em 2014 620kms e em 2015 - até à data da conversa - tinha pouco mais de 1400kms. Ao ver estes dados, a conversa com o treinador foi mais ou menos isto:
- "Eduardo, estive aqui a ver os teus dados e se calhar deixamos o MIUT para o próximo ano, que achas?"
- "Mas eu sou capaz..."
- "A inscrição já está feita?"
-"Já...."
- "Bem, então não há nada a fazer e temos de trabalhar a sério."

Não é preciso ser-se um génio para perceber que posso estar a ter mais olhos que barriga, que estou a ser um guloso da pior espécie e que me posso dar muito mal durante a prova. Eu também percebo isto. Sei que tenho de ter um 'estômago' muito bem treinado para conseguir engolir o que aí vem. Sei que estou a trabalhar afincadamente para que esta gulodice não resulta num ataque de diabetes e que tenha de desistir de comer este belo e enorme 'doce'.

Espero, acima de tudo, ter mais pernas que barriga!