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segunda-feira, 27 de abril de 2015

Maratona de Madrid e a Festa da Cidade



Já ando nisto das corridas há algum tempo e, por isso, já sei que as coisas nunca são bem como nos contam que são. Digam o que disseram de uma prova, por já lá terem estado (por exemplo), quando nós lá chegamos, a nossa perceção é diferente. E eu não podia começar este post sem falar nos segundos (ou primeiros?) heróis da Maratona de Madrid: o público! Já me tinham dito que o apoio do público era uma coisa extraordinária, incansáveis a dar-nos ânimo e que as ruas estariam cheias. Mas isto não reflete a verdade. A verdade é que é tudo o que disseram quase elevado ao infinito! É surreal ver tanta gente nas ruas aos gritos por pessoas que não conhecem, a dar ‘high five’, a olhar-nos nos olhos e chamar-nos ‘campeones’, a aplaudirem enquanto todo o pelotão passa, apitos e megafones para se fazerem ouvir ainda mais alto, mensagens de apoio espalhadas pelas ruas da cidade, paredes de pessoas que nos deixavam apenas 2 metros de largura para correr. Tudo isto debaixo de uma chuva torrencial. Sim, ninguém quis saber da chuva para nada. Estavam lá, nas ruas, durante todo o percurso a apoiar os loucos que estavam a correr. Quem corre sabe o calor e energia que isto nos dá, e aqui soube melhor ainda com a chuva que se fazia sentir. Correr uma maratona com este tipo de público é uma experiência que todos deveriam viver, pelo menos uma vez na vida. A todos os que apoiaram os atletas, aos heróis que ali estiveram do principio ao fim, o meu muito obrigado!


Mas vamos retroceder, muito sucintamente, até ao tiro da partida.
Estacionei o carro em Madrid por volta das 11h de sábado. Tinha saído de Lisboa às 4:30 da manhã e percorri cerca de 630kms para correr 42,195kms. Parece-me bem. Depois do fazer o check in no hostal, fui apanhar o metro até à feira da corrida para levantar o dorsal. Quando lá chego, vejo uma fila considerável de pessoas. Começo a ir para o fim da fila, mas e vê-lo? Andei, andei, andei. Continuei a andar. Depois de 1km de fila, ouço o Joel a chamar por mim, a dizer-me para ali ficar já com ele, senão estava tramado. E a verdade é que demorámos 1:30h para entrar na feira. Demorei 2minutos a levantar o dorsal, pois aquilo estava quase vazio. A organização explicou no facebook que o atraso se devia à empresa de segurança, que estava a bloquear as pessoas e a deixar entrar muito poucas, com a desculpa da lotação do recinto. A organização juntou duas fotos ao comunicado, com o pavilhão vazio. Depois do dorsal levantado, hora de ver as bancas. Ao ver a da Maratona de Lisboa, vou até lá, por algo que me despertou o interesse: as palavras ‘FREE ENTRY’ em grande. Numa ação promocional, estavam a oferecer a inscrição na maratona e eu aproveitei logo! Saí dali e fui para a Pasta Party. Um pavilhão enorme repleto de gente a encher-se de hidratos com a massa, o pão, a laranja e banana que estavam a dar. Como fui com a namorada, a seguir ao almoço fomos passear um pouco pela cidade. Quem diz um pouco, diz percorrer alguns bons kms. Quando os pés já doíam um pouco, fomos para o quarto descansar até ser hora de jantar. Quando saímos, surpresa, chuva. Nada de muito intenso, mas o suficiente para eu pensar que amanhã estava tramado caso continuasse assim. Pelo caminho voltámos a encontrar a trupe do Joel que tinham vindo para onde íamos: Museo del Jámon. Deliciámo-nos com uma Paella, uns enchidos, uns queijos e uma sangria tinta. Estava, portanto, a ter uma refeição de campeão. Depois do jantar, quarto para preparar tudo para a manhã seguinte.
No domingo quando acordamos, estava a cair aquela chuva ‘molha parvos’, o que não me agradou muito. Descemos até ao local da partida, vimos as ruas cheias de atletas e apoiantes, despedi-me do meu amor (que é incansável a seguir-me nestas loucuras) e fui para o meu bloco. Aqueci um pouco, mentalizei-me do que ia fazer, entrei no meu estado zen e esperei pelo tiro da partida. Sobre a corrida, posso dividi-la em duas partes muito distintas: “até aos 36kms” e “depois dos 36kms”.

Inscrição para Lisboa: feita!

A tshirt oficial da prova e a tshirt com que corro oficialmente.


Até aos 37kms
A corrida começou com a habitual lentidão esperada por milhares de pessoas a iniciarem as suas corridas a diferentes ritmos. Embora fosse com o tempo pensado, não comecei a acelerar muito. Primeiro, porque tinha de ziguezaguear muitas pessoas; segundo, quis aproveitar para desfrutar; terceiro, começámos a subir. Ao km 5, quando terminou a primeira subida, consegui finalmente entrar no ritmo que queria. A partir daqui, seria mantê-lo e, quando possível, aumentá-lo. Foi também por aqui que começou a chover, não parando até cruzar a meta. A minha estratégia nestas corridas é usar os outros como lebre. Ora um, ora outro. Isto ajuda-me a gerir o meu esforço, pois não sou eu que estabeleço o ritmo. Até ao km 12 foi um instante e como me estava a sentir bastante bem, acelerei um pouco, fazendo a prova até aos 21kms com parciais entre os 4:47 e os 5:08/km. A meio da prova ia com 1h52m, e foi aqui que apanhei o balão das 4h. Estava tudo bem encaminhado para conseguir o tempo que queria. A união de ir a bom ritmo, me sentir bem e o apoio daquele público, permitiu-me continuar a prova super focado e confiante. Consegui manter-me psicologicamente forte até ao início da última grande subida - com 7kms-, ao km33. A partir daqui comecei a sentir dores nas solas dos pés e nas coxas, o que me fez abrandar um pouco. De qualquer forma, disse a mim próprio que seria até rebentar e continuei a dar às pernas. A meio da subida, ao km 37, ia com 3h18m. fiz contas à vida e se conseguisse fazer os últimos 5kms em 26-27minutos, conseguiria a tal marca das 3:45.

Depois dos 37kms
O que eu não estava a contar era com o que me apareceu à frente. Não foi um muro nem uma parede. Foi mesmo um autêntico castelo, rodeado por água e tudo. Os pés estavam uma lástima, as coxas não queria levantar, a chuva caía torrencialmente, estava cheio de frio e, por muito que obrigasse o cérebro a dar ordens, o corpo não reagia. Tive mesmo de andar um pouco. Só não se viram as lágrimas por causa da chuva que me escorria pela cara e porque os óculos estavam embaciados. Foi um grande murro que levei. Vinha com uma prova tão boa, quase a roçar a perfeição e agora isto. Nem mesmo o apoio incansável do público me fazia correr e esquecer as dores. Se calhar não devia ter andado tanto no dia de sábado, se calhar não devia ter bebido álcool à noite, se calhar isto, se calhar aquilo. Tudo me passava pela cabeça. Comi uma pequena barra que tinha levado e encenei uma corrida. A coisa lá foi a ritmo lento. De repente, ouço alguém a berrar o meu nome. Um amigo que me viu e que fez questão de me dizer que eu era uma máquina. Demos um aperto de mão mas não lhe consegui dizer nada. Continuei a ritmo de caracol até ser ultrapassado pelo balão das 4h. Novo murro. Sabia que, mesmo assim, ainda seria possível acabar antes das 4h. Estava a chegar ao km 40 e decidi que, acabada a subida, iria acelerar de novo. Assim fiz. Acelerei e quando entrei no Parque do Retiro, ao ver aquela gente toda, ganhei nova alma e acelerei ainda mais um pouco. Já via o pórtico da meta lá ao fundo. O relógio já marcava mais de 4h, mas olhei para o meu relógio e vi que ia com 3h58m. Cerrei os dentes, corri, vi a meta a aproximar-se e cruzei-a de braços no ar! 3horas 59minutos 15segundos. Tinha conseguido! Tinha feito a Maratona de Madrid e ficado abaixo das 4horas! Pode não parecer nada de especial, mas quando vemos que a prova tem cerca de 700D+, pensamos que, se calhar, até é bastante bom. Fui buscar a minha tão desejada medalha e encontrar-me com o meu amor para lhe dar um beijo e um obrigado por tudo!

Eu, a medalha e a molha!

Parciais
4:45-5:00 - 6 parciais
5:01-5:15 - 11 parciais
5:16-5:30 - 9 parciais
5:31-5:45 - 5 parciais
Mais de 5:45 - 11 parciais

 
É mesmo gira! Aaah, e é minha!

 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Desejos para domingo.

No domingo, dia 26 de Abril de 2015, antes das 13horas, já quero ter isto ao pescoço!
(O que remete para um tempo abaixo das 4horas.)


É bem gira!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Corredores "toupeira".

Há uns anos, quando ainda era fixe namorar no carro, tive uma experiência que me ficou bem gravada na mente. A minha namorada da altura fazia anos. Isto era uma relação à distância. Eram apenas 30kms de distância, mas quando se tem 18 anos, carro, mas pouco dinheiro para gasolina, era difícil estar com ela todos os dias. No entanto, como era o aniversário dela, lá pedi uma nota de 500 escudos à minha mãe, atestei o carro (um Corsa de 1986, com uma caixa de 4 velocidades) e ainda me sobrou dinheiro para beber um copo. Como dizia, era o aniversário dela e lá fui ter com a minha querida. Decidimos fazer um pique-nique noturno à beira de uma barragem. Estávamos no final de Maio e o tempo estava agradável, propício a uma noite 'quente' de verão. Quando chegámos à barragem, estendemos a toalha no chão e fomos dando comida na boca um ao outro, no estilo Faraós do Egipto (na altura ainda levava o 'p'). As formigas nem foram grande incómodo, mas quando começou a chuviscar, disse-lhe que se calhar o melhor era irmos para dentro do carro. Claro que eu não queria por nada que o 'calor' começasse a descer. Lá fomos para o banco de trás, entrando pelas portas da frente, pois só tinha 3. Ora, portas e vidros fechados, a temperatura começou a aumentar e a roupa começou a diminuir. Entretanto, tive de tirar os óculos da cara, que só atrapalhavam. A determinada altura, quando só já estávamos em roupa interior, ouvimos bater no vidro. O susto foi ainda maior quando alguém do lado de fora nos pergunta se temos cigarros. Enquanto dizia que não, já estava a tentar passar para o banco da frente, que, obviamente, estava inclinado para a frente para haver mais espaço. Foi quando começaram a tentar abrir a porta e a bater nos vidros. Vá-se lá saber por quê, as portas estavam trancadas. Quando finalmente consegui sentar-me em frente ao volante, ligar o carro e os faróis, dou por mim a pensar que estava tramado. O vidro da frente estava totalmente embaciado, tal como os restantes, devido ao efeito de estufa provocado por dois corpos a libertar calor. Arranquei sem saber por onde ia, onde estavam as árvores, e a ver apenas alguma coisa pelo canto inferior. A juntar a isto tudo, tinha os óculos no banco de trás. Ainda hoje me pergunto como é que escapei só com um retrovisor partido, sem eu ter sido violado e ela espancada.

Mas o que é que isto tem a ver com corrida? Tudo. Como já perceberam, uso óculos. Com graduação tal que lentes de contacto são carta fora do baralho. Tirá-los para correr está completamente fora de questão, pois fico praticamente sem conseguir distinguir o João Campos do Carlos Malato. Quando vou correr à noite, a minha respiração acaba sempre por embaciar as lentes e dou por mim a correr com a cabeça de lado, numa tentativa de conseguir ver um bocado que seja do caminho. Se adicionarmos a luz do frontal a toda esta tragédia, estou constantemente a lembrar-me do dia em que quase morri, só de cuecas e com o 'telemóvel no bolso'.


Soluções, há por aí?

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Entrevista com João Campos - PAVNESC

O João Campos, do blogue PAVNESC (Porque a vida não é só corrida) e criador do projeto "Corredor do Bus", é, talvez, um dos corredores amadores mais conhecidos nisto do mundo da corrida de estrada e dos trilhos. É, ao mesmo tempo, uma pessoa que inspira outras a se superarem.
Conheci o João, primeiro, pelo instagram. E foi no dia da maratona do Porto, a 2 de Novembro de 2014, que tirámos a primeira foto. Desde esse dia, muitas foram as corridas, treinos e aventuras que fizemos/tivemos em conjunto. Por isto, achei que seria a pessoa ideal para iniciar um projeto neste espaço. Quero entrevistar algumas pessoas disto dos blogues e das corridas, para que os possamos conhecer um pouco mais e, quem sabe, conseguir inspirar outros a começarem a correr (ou outra qualquer atividade onde se queiram superar). A ideia é tentar, com as diferentes pessoas, abordar os mais variados temas.
Desde já, desculpem se isto não tem qualquer interesse, mas eu acho que vão gostar.
Momentos antes da maratona do Porto 2014.
Estou cá com um cabelinho!

Bearded Runner (BR): João, há cada vez mais pessoas a aderirem ao “running”, dizem até que é uma moda, mas tu já estás neste ‘mundo’ há mais tempo. Quando, e por quê, é que decidiste fazer da corrida um modo de vida?
João Campos (JC): Este é o meu “segundo regresso” ao mundo da corrida, uma espécie de ressurreição, digamos. Nunca fui muito activo (fisicamente), embora algures na década passada tenha sido praticante de BTT, corrida e squash relativamente assíduo. O regresso, foi por desafio, há quatro anos e picos atrás, ainda a “moda” estava nos seus primeiros dias.

BR: Entre outras coisas, és conhecido pelo projecto do “Corredor do Bus”. Fala-nos um pouco sobre esse projecto: se terminou, se o tencionas repetir ou se o pensas alargar a outras carreiras.
JC: O corredor do BUS, dificilmente terminará. O objectivo é percorrer, a correr, todas as carreiras de todos os operadores de transportes públicos do Mundo, e isso dá muitas carreiras. Assim, sempre que não há carreiras a serem percorridas, é só por uma questão de calendário ou logística da minha parte.
O projecto, é ambicioso mas também trabalhoso a nível logístico, operacional e especialmente a nível de levantamento de percursos. Sem apoio dos operadores de transportes públicos, o levantamento do percurso das carreiras tem de ser feito de forma manual, o que torna a tarefa duplamente complicada e morosa mas, tenho tempo para as fazer a todas.

BR: Treinos. Sabemos que é preciso treinar para que nos aguentemos nas provas. És o anfitrião de dois dos mais conhecidos treinos de grupo em Lisboa: o “Escadinhas & Subidinhas” e o “Vai Tudo Abaixo”. O que te levou a querer juntar um grupo de desconhecidos para treinarem em conjunto? Sentes que é uma forma de tu, também, te sentires motivado a treinar?
JC: O que me levou a fazer isso, eu próprio já me questionei. Em parte foi variar, e partilhar um pouco de mim "para fora". Na altura em que criei os primeiros treinos do tipo “vai tudo abaixo” (cuja conceito “de treino” não é original meu, note-se, treinos de corrida em percursos urbanos), esses foram “por convite”, limitados a um grupo reduzido de pessoas, e já o fazia sozinho antes disso. Pessoalmente não gosto muito de "correr a direito" portanto, os meus percursos são maioritariamente desse tipo.
De qualquer forma, no momento esses treinos “Vai tudo abaixo” estão “parados” pois, acabam por ser “mais do mesmo”, há mais grupos a fazer percursos desse tipo e são treinos que não têm, efectivamente, um grande elemento diferenciador. Tenho planeado, no início do Verão voltar com esse modelo mas, com algo diferenciador.
Já o modelo do “Escadinhas & Subidinhas”, esse surgiram por “brincadeira”, como “treino de preparação para outro treino” e entretanto, ficou e conto que continue assim. Já fazia também o percurso sozinho mas, esses treinos sim, considero desafiantes e diferentes do habitual, adequados a atletas de nível “médio” para cima e onde se pode facilmente quantificar a nossa evolução, melhorar a nossa prestação e ver a nossa melhoria de condição física, tendo nos percursos um “truque” que faz com que o equilíbrio entre os atletas menos fortes e os mais fortes seja conseguido de uma forma quase transparente.
Actualmente, os “Escadinhas & Subidinhas” realizam-se nas segundas terça-feiras e nas quartas quinta-feiras de cada mês, na Porta da Estação de Santa Apolónia em Lisboa, às 20h00.

BR: O mundo das corridas já não é o que era há uns anos. Hoje, há provas para todos os gostos e em todos os fins de semana. Não só de estrada, mas também de trilhos. Qual é para ti, o tipo de prova que mais gostas de correr?
JC: Para mim, a “Prova” continua a ser a Maratona de Estrada, pena só haverem duas por ano em Portugal Continental, e ser “complicado” participar em provas internacionais por motivos que nem vale a pena enumerar no caso.

BR: Falando em trilhos, é notório o aumento de participantes neste tipo de corridas. Qual achas que é o motivo desta migração? E quando é que deste o ‘salto’ para o ‘trail running’?
JC: Os trilhos e o motivo da migração, serão em grande parte, e na minha opinião, a moda, e também a “saturação” das provas de estrada de 10km semanais sempre no mesmo sítio.
O meu salto para os trilhos, bem... A primeira prova de “trilhos” que fiz, foi o “Corre Jamor” (que não é uma prova de trilhos na realidade). Embora tenha piso de terra batida em algumas partes, o Jamor é um sítio muito suave para ter uma percepção do que é realmente correr em trilhos.
A seguir a isso, fui a uma prova nocturna em Sintra, após uma tempestade, com um frontal fraquíssimo, sapatilhas de estrada e foi uma experiência inesquecível, não tanto pela dificuldade do percurso mas pelo conceito e pela aventura de ir para Sintra à noite naquelas condições.
A partir daí, comecei a juntar-me em Monsanto com um grupo de amigos, desde 6 de Março de 2013, na edição zero nos “Trilhos de Costume PR”, posso considerar esse dia, realmente, o dia do salto. Fomos quatro, eu e três participantes praticamente desconhecidos, eu com o mesmo frontal fraquíssimo e umas sapatilhas usadas oferecidas por um deles (que me acompanharam ainda bastantes quilómetros), e uma tareia memorável.

BR: Sabemos que é difícil escolher aquela prova que mais gostamos, mas se tivesses que escolher, qual seria a tua prova de estrada e de trilho de eleição? Por quê?
JC: Do que já fiz até agora, prova de estrada diria que a Maratona de Madrid, pelo apoio do público sempre presente nos 42,195 metros, sendo essa, relembro, a minha distância e tipo de prova favorita.
Outra prova “diferente” e "inesquecível" foi a primeira edição das 24h de Portugal em 2014. É uma prova em circuito de cerca de 2,100 metros que põe à prova a cabeça e o corpo. Repetirei este ano, para tentar bater as voltas ao percurso.
Quanto a provas de trilhos, é mais complicado avaliar, já tive experiências muito boas e algumas menos boas... No geral tudo depende dos padrões de avaliação que considerarmos (entre abastecimentos, percurso, marcações, organização) mas posso dizer que, em provas “curtas”, o Trilho das Dores nas Abitureiras em Santarém e o Duratrail em Setúbal me agradaram bastante e estão na agenda como provas a repetir sempre que possível. Na mesma categoria mas em percursos mais longos, o Trail Transfronteiriço de Barrancos e o Ultra Trail Nocturno de Óbidos e, em provas ainda mais longas, Trilhos de Sicó, em 2015.

BR: Qual foi o teu maior momento de superação numa corrida? E o teu pior momento?
JC: O maior momento de superação, por incrível que pareça foi conseguir, ao fim de quatro anos a correr, fazer menos de 50 minutos numa prova de 10km, as vitórias são tão relativas que, é mesmo assim... Não treino propriamente para bater o tempo nessa distância.
O meu pior momento, bem, não considero que tenha nunca “batido no fundo” mas, já passei por algumas tempestades violentas, desarranjos estomacais, duas vezes que não cheguei ao fim em provas (desistência numa e passagem fora de tempo num posto de controle noutra), já cheguei fora da hora limite noutras, de tudo um pouco...

BR: Sonhos. Todos nós sonhamos em completar determinada prova. Também terás os teus sonhos e desejos. Qual é a tua prova de sonho? Aquela que faz o teu coração bater mais rápido só por ouvires o seu nome.
JC: Talvez a Comrades Marathon na África do Sul e a Sparthatlon na Grécia, mas há tantas onde gostava de ir...

BR: Em jeito de despedida, queres deixar algum conselho ou dica para quem tem vontade de entrar nisto do “running”, de estrada ou de trilhos?
JC: Mas é claro que sim, todos somos um pouco de "treinador de bancada". A minha “base” de ideia é: Define objectivos, traça um plano e cumpre-o com alguma “flexibilidade” (para não caires no tédio e no stress do "cumprir à risca"). Não queimes etapas e faz as coisas gradualmente, a evolução na velocidade e nas distâncias. Isso fará a toda a diferença em ti quando a “moda do running” passar. Faz também algum fortalecimento muscular ou outro tipo de exercício complementar, porque a vida não é só corrida ;)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Febre

Anton Krupicka (fotoretirada da net)


Acho que ando com febre. Aliás, de certeza que ando com febre. Só isto pode explicar o delirio que habita nesta minha cabeça.

Às vezes esqueço-me que sou ainda uma criança, um bebé, quase.
Esqueço-me que ainda não sei nada de nada e que é preciso tempo para aprender o pouco que irei conseguir aprender durante a minha vida. Mais, olho para os Outros - aqueles que já cá andam há mais tempo; aqueles que, para além de andarem, já sabem correr - e vejo-os a ponderar, em alguns casos, se não terão dado um passo maior que a perna, embora se tenham saído vitoriosos.

E eu quero ser como eles. Quero chegar onde eles chegaram. Quero percorrer o que eles já percorreram. Quero fazer partes das epopeias. Quero andar com um passo dorido por ter andado demais. Quero sentir o sabor da superação, a mesma superação que os Outros libertam pelas lágrimas e pelo suor. Sim, quero libertar superação por todos os meus poros!

Mas esqueço-me que só cá ando há seis meses, que na vida tudo leva o seu tempo e que apressar as coisas pode resultar em dar passos atrás. Esqueço-me que os Outros já não são crianças, são Homens. Lutaram ávidamente - muito mais do que eu - para tirarem as mãos do chão e deixarem de gatinhar. Que, depois, lutaram ainda mais para andar. E que deram tudo o que tinham para conseguirem correr. E, hoje, Homens feitos, ponderam muito bem antes de iniciarem uma corrida.

Tenho ainda fresco na memória o momento em que tirei as mãos do chão pela primeira e única vez, naquele dia de Março. Mas isto não quer dizer que me vá levantar. Não. Posso muito bem cair e tardar a levantar de novo. Resta-me ser paciente e persistente na resistência à tentação. Porque ela anda à espreita. Tal como uma criança que começa a explorar o mundo, vendo uma aventura nova para onde quer que olhe - querendo lá ir mesmo que seja demais para ela -, também eu as vejo. Vejo Serras enormes, a atravessarem as nuvens. Vejo Arribas perigosas, a escarpirem até ao fundo do mar. Vejo planicies encantadas, que se estendem até ao horizonte. Vejo tudo isto a chamar por mim. E, tal como uma criança gulosa, quero tudo de uma só vez. Quero engolir o Mundo todo com uma dentada. Quero partir de uma para outra sem sequer as saborear. E elas, as tentações, olham para mim com um sorriso aberto. Querem que eu lá vá. Querem que eu lá vá para me ensinarem a ser humilde.

Mas eu resisto. Viro a cara para o lado e olho para caminhos mais curtos, mais baixos, menos sinuosos. Caminhos que me vão ensinar a tirar as mãos do chão, que me vão ensinar a andar e, por fim, ensinar a correr. Chegará o dia em que todo eu libertarei superação, que andarei ao lado dos que já se superaram, que poderei contar as minhas epopeias àqueles que, por já as terem vivido, as entenderão melhor do que alguém. Melhor do que eu, até.

Mas terei que lhes resistir.
Ando com febre.
Com a febre dos Ultras.

Rob Krar (foto retirada da net)

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Madeira Island Ultra Trail



Desconfio que, depois de ler o relato do herói Filipe, quererei fazer esta prova em 2016.

Rais'partam os vídeos do Youtube e os relatos eletrizantes de quem lá foi!

Território Circuito Centro - Etapa IV - Sertã

A organização prometeu e assim cumpriu.
Fomos avisados que esta última etapa seria a mais rolante de todas. Seria uma oportunidade para se descansar as pernas das provas grandes que se haviam feito e das que estão para acontecer (que não as provas deles). Houve quem não achasse piada a isto, com alguns comentários mais negativos no facebook, mas olhemos para o conceito desta prova dividida em 4 etapas:


Dito isto, só posso dizer que cumpriram o que haviam prometido. Todas as corridas foram uma oportunidade de conhecer uma zona nova do Centro de Portugal, de passar por paisagens lindissimas e, ainda, de passar um fim de semana diferente. O facto de não ser corredor de pódio, permitiu-me desfrutar das corridas de uma forma bastante descontraída e que me ajudaram na preparação para o meu primeiro Ultra Trail.

Vamos lá então falar da última etapa. Foi em Pedrogão Pequeno e teve partida e chegada no Hotel da Montanha. Um local lindo, no topo de uma colina, que nos deixou acima das nuvens!

O reflexo do sol formou ali um efeito engraçado.

Felizmente, o nevoeiro desapareceu e deu lugar a um sol de verão.

Depois do dorsal recolhido, foi hora de ir trocar de roupa e experimentar uma pomada nova para os pés. Parece que estão a sofrer de bolhas e essas coisas. Preparei-me e fui para a partida, onde encontrei algumas pessoas com quem fui correndo ao longo das etapas. Mais uma vez, e antes da partida, o organizador explicou os motivos de terem feito dois percursos mais "fáceis" e rolantes. Fiz o Controlo 0 e posicionei-me para arrancar. Desta vez queria fazer uma prova sem paragens para fotos, a dar o meu máximo e a tentar uma boa classificação. Uma vez que a prova tinha só 20kms e era rolante, nada como tentá-lo! E de facto a prova foi bastante rolante. Sem grandes trilhos técnicos e a grande maioria em estradões ou em single tracks um pouco mais largos. Corri sempre que consegui, nas subidas só abrandava quando as pernas não davam mais e nas descidas... bem, nas descidas, ia a ritmos alucinantes. Sempre de braços abertos para equilibrar o corpo. Tanto que no final da prova um gajo estava a dizer "Epá, nas descidas passaram por mim que até me fizeram comer cascalho!", e depois de me ver "Olha, foi ele!".

Mas, claro, as subidas também existiram e fizeram-me caminhar e praguejar um pouco. De qualquer forma, foi sempre a dar-lhe no passo rápido. Corpo curvado, mãos nos joelhos e lá ia eu a passar neles e nelas. A zona mais técnica foi quando contornámos uma barragem, com trilhos em xisto solto, e onde tirei as duas únicas fotos durante a prova! Sim, é verdade, só tirei duas fotos durante a prova! E sem parar!

Lado direito da barragem.

Lado esquerdo da barragem

No final, como é hábito, brindaram-nos com uma pequena subida do estilo escalada. Aqui, ao fim de 18kms sempre a 'dar-lhe gás', senti as pernas a não quererem subir. É que, para além de ser uma subida, é daquelas que temos de lebantar bem a perna porque existem degraus feitos de raízes e pedras. Obviamente, que tinham lá um fotografo para registar as novas caras de sofrimento.

Até 'assopro'!

Desta subida até à meta foi um instante. Acelerei mais um pouco e dei o meu salto quando cruzei a meta. O meu relógio marcava 2h13m de prova. Foi o tempo que demorei a fazer os 20kms. Como podem ver, e sabendo vós que sou uma pequena caracoleta, a prova foi mesmo rolante. Fui ver a folha das chegadas e o meu dorsal estava na posição 41 da geral. Se se tirarem as mulheres que ficaram à minha frente, sou capaz de ter um bom resultado na geral masculina.

Território Circuito Centro: Done!

Sobre a organização e o conceito, só posso dizer coisas boas. Sempre bem dispostos, a ajudarem, com bons percursos e boas marcações. No geral, foi 5 estrelas! Prevejo que, se forem sempre assim, vou ser muito feliz no Monte da Lua. A medalha de finisher, bem, essa mostro-a assim que encontrar todas as partes!

sexta-feira, 10 de abril de 2015

A grandeza dos números.

Quando as pessoas me veem pela primeira vez, regra geral, fazem uma cara de espanto. Ao fim de algum tempo de conversa, lá fazem, finalmente, a pergunta que queriam fazer logo no início: "Há quanto tempo estás a deixar crescer a barba?" ou "Tens essa barba há quanto tempo?". Respondo-lhes que a estou a deixar crescer há quase 3 anos. Que de vez em quando lá lhe dou uma aparadela nas pontas. Mas já percebi que, independentemente do que lhes responda - 6meses, 1 ano, 2 anos - ficam sempre incrédulas. Acho que podia dizer que a deixo crescer há 40 anos (mesmo tendo 31 de idade) que teriam a mesma reação.

Em miúdo, passava muito do meu tempo a ver os campeonatos de atletismo. Se as provas mais rápidas me deixavam cheio de adrenalina, as mais longas (10, 21 e 42kms) deixavam-me pensativo por dois motivos: como é que conseguiam correr tanto e como é que conseguiam correr tão rápido. No entanto, algo em mim me dizia que, se calhar, correr aquelas distâncias naqueles tempos, não seria nada de extraordinário.

Quando, já em adulto, comecei a correr, e fiz os meus primeiros 10kms em cerca de 1hora, percebi, com toda a certeza, que afinal as coisas não eram assim tão simples. Vi-me e desejei-me para conseguir correr 10kms abaixo dos 45minutos. Dei quase tudo o que tinha para completar uma meia maratona em 1h42m. Chorei quando concluí a minha primeira maratona em 3h58m. Pensar que há quem o faça em metade do tempo, deixa-me completamente atónico. E corro! Portanto, imagino a confusão que isto pode fazer a quem não o faz.

Do meu grupo de amigos que me acompanha desde a infância, só um é que correr com alguma regularidade. Dos meus colegas de universidade, só uma rapariga o faz. Apesar disso, gosto de lhes contar as coisas que faço e os objetivos que alcanço. Mas, tal como na barba, vejo que se lhes disser que fiz 10kms ou que fiz 100, para eles é igual. Pura e simplesmente, não têm noção dos números que lhes falo. Isto porque não correm. No outro dia, alguém me perguntou se eu fazia 10kms numa hora, outra rapariga ouviu e disse muito espantada "Fazes 10kms numa hora?" e eu disse que até fazia em 45minutos. A boca dela demorou uns bons 800metros (2') a fechar.

Mais recentemente, contei-lhes do meu primeiro Ultra Trail. Que tinham sido 53kms e 10h24m. A reação foi igual aos 10kms em 45'. E nem ousei tentar explicar o que é acumulado e desnível positivo. Alguém correr 10, 20, 50, 100 ou 1000kms, será sempre algo inimaginável para quem apenas corre para a casa de banho. Alguém correr durante 1, 2, 10 ou 24horas, será sempre demasiado tempo para quem faz as suas caminhadas de 30'. A grandeza dos números não se encaixa nos seus parâmetros mentais. Mais do que isso, não conseguem compreender como é que alguém se sujeita, ou é capaz, de estar a correr durante tanto tempo. Não estou a criticar estas pessoas, até porque comigo acontece o mesmo. Apesar de já ter corrido as distâncias principais na estrada, só há pouco tempo atrás fiquei a saber o que é correr uma ultra maratona, só há pouco tempo atrás fiquei a saber o que é correr de manhã à noite. Foram 53kms. Foram 10h24m.

Este fim de semana decorre o MIUT. Centenas de pessoas vão correr 115kms. Centenas de pessoas vão correr mais de 24horas. Está também em curso a Maratona das Areias, numa distância de cerca de 250kms, dividida em 6 etapas, onde, para além da dificuldade de correr no deserto, ainda têm de correr em total autonomia, carregando às costas tudo o que precisam. Estes 250kms podem estar divididos por etapas, mas muitas são as provas de 100milhas (160,9kms) espalhadas por este mundo fora em que se corre "sem parar". Até a mim, que corro desde 2009, me faz confusão. Por muito que eu queira, são números que não me cabem na cabeça, são números que desconheço. Dizerem-me que vão correr 100 ou 200kms, durante 24 ou 48horas, criará em mim, uma sensação parecida à das pessoas a quem digo que a barba está a crescer há 3 anos ou que corri durante 10h.

Simplesmente, não tenho consciência da grandeza dos números.


(imagem retirada da net)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Novo desafio: check!

Curtia mesmo de ter o dorsal 23!



Pois é, o novo desafio já está escolhido.
Parece que o bichinho está a bater com força.
Claro que são desafios "pequenos" tendo em comparação o que muitos de vocês já fizeram, fazem ou estão para fazer. Mas há que ir com calma e ponderação para que tudo corra sempre pelo melhor.

E até posso já adiantar um desafio para o próximo ano 2016: quero juntar os pontos suficientes para entrar no sorteio do UTMB! A prova principal! Para este ano, gostaria de juntar os 3 pontos para as provas secundárias.

Dito isto, e tendo em conta que o Monte da Lua já me vai dar 1 ponto, aqui vai pergunta de maçarico: em que outras provas é que consigo os 2 pontos que faltam? Ou já vou tarde demais para isso? Sei que com a sorte que tenho, não serei selecionado, mas gostava mesmo de, pelo menos, tentar.

Conseguem imaginar o espetacular que seria eu a dançar nos Alpes?

Os números de Março.

Março ficará para a minha história como o mês em que fiz o meu primeiro Ultra Trail.
Essa aventura que todos já leram e, certamente, releram. Acredito até que, se nunca tivessem feito um Ultra na vida, se sentissem inspirados a fazê-lo o mais breve possível.

Mas Março também teve outras coisas, nomeadamente, a falta de treinos.
Apesar das 13 atividades concluídas, só 3 é que são realmente aproveitáveis: a terceira corrida do TCC em Vila de Rei, a Meia Maratona de Lisboa e o Ultra Trail de Piodão. O resto, foram "treinos", em que muitas vezes saía de casa só para fazer os mínimos olímpicos - 30' de corrida ou 5kms -, chegando mesmo a contabilizar algumas caminhadas de domingo à tarde com a namorada.

De um total de 159kms, 96 foram com as 3 provas. Mostra muito a falta de treino que foi. Mostra também que sou metade de um Perneta.
Podia dizer que lhe dei com força no reforço muscular, mas seria mentir. Das vezes que me propus mentalmente e antecipadamente a fazê-lo no final do dia, acabava por chegar a casa demasiado cansado e sem vontade para tal.

Este mês quero mesmo tentar fazer mais kms, até porque tenho a maratona de Madrid no final de Abril e preciso estar preparado a sério. Penso que o meu treino longo será a última etapa do TCC em Pedrogão Pequeno, 25kms.

Aaah! Outro motivo para me ter que dedicar a sério aos treinos é que a inscrição para o Ultra Trail de Monte da Lua está feito, e quero ver se demoro menos que 10h a terminá-lo!


É assim que está Monsanto. Até dá vontade de lá passar muitas horas!

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O dia em que me tornei Ultra-maratonista - A chegada à meta do III INATEL Piodão Ultra Trail

O dia em que me tornei Ultra-maratonista - I
O dia em que me tornei Ultra-maratonista - II

Preparo-me para subir o último lance de escadas e ouço pessoas a baterem palmas e a gritarem por mim. Mas aquelas vozes não me eram estranhas. Olho de novo para cima e vejo toda a minha família a sorrir para mim.

O meu irmão esperava-me de máquina fotográfica em riste, pronto a registar tudo. O meu pai, ao lado dele, felicitou-me. Olho para cima e lá estava a minha mãe a gritar "Força, Dado!". À minha frente, a minha irmã e namorada estavam de telemóvel em punho, a filmar tudo. A minha irmã corre para mim e abraça-me, sigo na direção da minha namorada e beijo-a. A noite já tinha caído, mas eu estava com calor, tanto calor que transpirava em bica, o suor a entrar-me para os olhos, deixando-os vermelhos e cobertos de lágrimas. Por causa do suor, atenção!! Correm comigo aqueles últimos metros. Quando estou a passar por baixo da meta, dou um salto e braços no ar. Fico ali parado e digo que está na hora da dança da vitória. Faço-a e todos aplaudem aquele louco que depois de 53kms, 10horas e 24minutos, ainda tem força e disposição para dançar. Abraço e beijo de novo a minha namorada. O meu pai aparece por detrás de mim, também ele com problemas de suor nos olhos e abraça-me. Beijo toda a minha família. Cumprimento aqueles que me acompanharam e que chegaram antes de mim. Vou buscar uma canja. Ao bebê-la do copo, escorre-me pela barba. Todos se riem, todos choram, todos estão orgulhosos de mim.

No dia 28 de Março de 2015, tornei-me um ultra-maratonista!










O dia em que me tornei Ultra-maratonista - Até aos 100m finais do III INATEL Piodão Ultra Trail

Estou a meio da prova, passaram 4h45m e, apesar dos empenos que já tinha sentido, tinha mais vontade de acabar que antes!

Entretanto, enquanto, finalmente, consigo encher a mochila com água, a Menina foge a sete pés. Disse-me que não esperava tanto calor, mas eu vi-a a ir embora toda fresquinha. Deste posto de abastecimento até ao que estava por volta do km32, foi sempre a abrir no meu ritmo super-sónico de 10 ou 11minutos por km. Não que o terreno fosse de dificil progressão, apenas começava a sentir a falta de treino. Valeu-me as paisagens deslumbrantes. Há quem possa achar que olhar em volta e só ver serra não é nada fascinante, mas há algo que me tranquiliza quando vejo a imensidão do que me rodeia e do pequenino que somos. Alguns atletas iam passando por mim e eu chegava-me para o lado para não os atrapalhar. Tinha tempo, muito tempo. O sol só começaria a desaparecer depois das 19h. O percurso ia alternando entre trilho bem técnicos e os estradões, invariavelmente, enfadonhos. Prefiro correr num trilho pouco técnico mas "claustrofóbico", a roçar com as pernas e braços nas ervas e árvores, a ir no meio de uma estrada de terra batida com 3metros de largura. Mas todos sabemos que este é um mal necessário para ligar secções da prova.

E lá cheguei ao abastecimento do km32. Já disse que o do km25 deixou muito a desejar. Mas este, meus amigos, este abastecimento faria inveja a muito casamento. Vejamos: sal, tomate, laranja, banana, bolachas, frutos secos, água, coca-cola, isotónico, cerveja, vinho, queijo da serra, bifanas e camarão! Tudo à grande e à francesa. Nesta fase já ia com bastante fome. Já tinha tomado um gel e uma barra. Sentei-me na companhia de alguns membros do CnC e uma voluntária perguntou-nos se queriamos uma bifana. Até serviço à mesa tinha! Dissemos que sim e o que me deram foi um paposseco com 2 febras enormes lá dentro. Descansei enquanto reabastecia as energia. Enquanto isso, iamos ouvindo a história que um senhor estava a contar sobre uma prova em França que não apanhei o nome. Dizia ele que a prova era curta mas que todos demoravam muito tempo. A dificuldade não estava no acumulado, mas sim nos imensos abastecimentos quase de 5 em 5 kms. Que ao km2 tinham logo um pequeno almoço com direito a tudo, que ao km 5 tinham café e bolos. Enfim, qualquer coisa completamente fora do normal. Mas eu não estava ali para ouvir histórias, estava ali para escrever a minha própria história. Portanto, levantei-me e fui embora. Não sem antes ouvir o tal senhor que agora é que o trail ia começar.

A bela da mesa do fantástico abastecimento.

Fechem os olhos. É melhor abrirem os olhos para poderem ler primeiro. Imaginem que estão a olhar para cima e que o que veem é uma subida tão ingreme que mais vos parece uma parede. Nessa parede, pintada de lilás, conseguem ver uma falha na pintura, que se estende da sua base até ao topo, não a direito, mas passando por onde o cimento (vegetação) é mais fraco. Ao longo dessa falha, veem pequenos pontos de várias cores. E vocês sabem que terão de passar por ali, pelos longos 800metros daquela falha. Quando a começam a subir, sabem que vai custar, que vai doer, que vão parar mais vezes que as que querem, que vão dar 3 passos para a frente e 1 para trás, que vão caminhar dobrados e apoiados nos joelhos, que os bastões (se os tiverem) vos vão massacrar os braços, que vão praguejar, que vão ofender os organizadores (aqueles desgraçados que se estão a rir a imaginar-nos a subir isto), que vão olhar para trás e pensar que isto era muito melhor a descer, que vão olhar para cima e pensar que os metros, os metros não, os kms nunca mais acabam. Vão devagar, muito devagar. Mas como na estória da tartaruga, devagar se vai ao longe. E não desistem. Continuam determinados a vencê-la. Até que, finalmente, pisam chão plano, olham para trás e têm vontade de subir tudo aquilo de novo! (Naaaah! Ofendem-na uma última vez antes de lhe vivarem costas!). Agora, depois de terem lido isto e verem a imagem abaixo, fechem os olhos e imaginem-se a passar por isto.

Foto de "The Photo Follower - Abel Simões", que espelha o que tentei descrever.

Estas paragens eram uma constante.

Quando terminámos esta atrocidade, no topo da serra conseguiamos ver Piodão, mas, até lá chegarmos, ainda nos faltavam 20kms e algumas subidas complicadas. A aprtir daqui entrámos numa zona mais rolantes, dentro daquilo que eram as capacidades de cada um. Foi nesta fase que tive um acréscimo de energia. Conseguia correr e sentia-me bem. As dores e o cansaço desapareceram e dei por mim a correr e a sorrir. Olhava para a serra verde e para as eólicas brancas, altas, enormes, que pintalgavam a planície. Dei por mim a pensar que há muita coisa boa no mundo, mas liberdade como está há muito pouca. Segui confiante e a bom ritmo até ao km38, onde encontrei um pequeno PAC, fazendo apenas uma curta paragem. Restavam pouco mais de 2kms, sempre a subir, até ao K40. Entretanto, nesta fase, partilhei a minha aventura com a Elisa e com o Luis, completos desconhecidos, mas unidos pelo que estavámos a fazer. Quando lá cheguei, levava pouco mais de 8horas de prova. Disseram-nos que a partir daqui seria sempre a descer até ao K47, mas que a descida se fazia devagar e que iamos apanhar o vento contra nós. Vesti o corta-vento, atestei-me de água e arranquei.

A placa que indicava a subida para o K40.

De facto, até ao último PAC ao K47 (que no meu relógio foi aos 49), foi sempre a descer ou plano, por estradão, mas, mais uma vez, serviu para recuperar algum tempo. Foi durante esta fase que tive um dos momentos mais emocionantes. Quando olhei para o relógio, tirei uma foto e a enviei à minha namorada com a mensagem "A partir daqui sou ultra-maratonista!".

A partir daqui: o desconhecido.

Confesso que me vieram as lágrimas aos olhos. Estava a conseguir. Para além de não pensar em desistir, sentia-me bem. A partir daqui, tudo era novo para mim. Nunca tinha corrido mais de 42.195m, muito menos em trilhos. Algo cresceu dentro de mim que me permitiu correr até nas subidas mais ligeiras. Percorri kms com o coração a mil, olhos embargados e eletricidade no corpo. Corri o mais rápido que consegui até avistar um pequeno aglomerado de casas, com um ribeiro a passar por baixo, deixando ouvir a sua melodia ao bater nas rochas, onde estava o último abastecimento. Comi uma sandes de queijo, banana com sal, água e isotónico. Estava quase. Faltavam 3kms. Seriam em subida constante, mas estava tão perto que já lhe conseguia sentir o cheiro (mesmo por cima do meu cheiro a suor!). Lancei-me à jornada final, uma vezes a caminhar rápido, outras a correr devagar. Começou a escurecer. Queria acabar a prova antes de ter de usar o frontal. Até que vi uma placa que me deu aquele alento que tanto precisava.

Cada vez mais perto.

Acelerei tanto quanto me foi possivel e quando vou a percorrer as ruelas de Piodão, um grupo de pessoas grita por mim, a desejar força e a dizer que estava quase, que só faltava mesmo a última súbida. Olhei para cima e vi as luzes da chegada, enquanto disse a rir que eles eram maus para nós. Entretanto, consegui ultrapassar 2 atletas. Começo a subir o caminho que tinha descido de manhã. Estava cada vez mais perto, os batimentos cardiacos a valores nunca antes sentidos.

Preparo-me para subir o último lance de escadas e ouço pessoas a baterem palmas e a gritarem por mim. Mas aquelas vozes não me eram estranhas. Olho de novo para cima e vejo toda a minha familia a sorrir para mim.

(ainda hoje sai a última parte! Lá para as 14horas..)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

O dia em que me tornei Ultra-maratonista - Os primeiros 26kms do III INATEL Piodão Ultra Trail

Desculpem o titulo demasiado longo, mas agora que sou ultra-maratonista vai ser sempre tudo ultra! Até os titulos dos posts!
Pensei em escrever um único post, mas depois percebi que ninguém iria perder 3 horas da sua vida a ler isto, por isso, decidi dividir o relato. Não se importam, pois não? Mesmo que se importem, isto é meu, eu é que mando.
Vamos lá a isto? Bora!


Saí de Lisboa ainda não eram 5:30 da manhã. Sabia que a viagem era longa e que arranjar estacionamento numa aldeia que é apelidada como "Aldeia do Presépio", seria complicado. Às 8 e pouco estava a estacionar o carro e a trocar de roupa. Ainda tinha de ir buscar o dorsal que a querida Piolha fez o favor de me levantar e tentar aquecer um pouco antes da partida (que basicamente passa por saltitar no mesmo sitio enquanto meto uma foto no facebook a dizer que vou começar uma corrida). Aquecimento feito e ligo para a namorada para saber onde estavam e se me iam ver a partir. Ela disse que já estavam todos posicionados e prontos a filmar e fotografar o início da festa. Antes da partida ainda deu para cumprimentar (finalmente) o Rui Soeiro e alguns membros do Correr na Cidade, com quem treinei e com quem partilhei muitos kms desta aventura.
As 9horas estavam a chegar e todos prontos a arrancar. Fiquei mais para o fim do pelotão. Aliás, era mesmo dos últimos. à minha frente, mais de 200 pessoas que abdicaram de um dia de descanso para ali estarem. Mas sairam todos muito caladinhos... Algo tinha de ser feito. Decidi então animar o público saltando e levantando os braços como se aqueles metros já fossem uma vitória! (no facebook do Correr na Cidade é possivel ver o video da minha partida)

A tentar chamar a atenção do meu irmão.

A animar aquela malta toda!

Arranquei calmamente atrás daquela multidão. Demos uma curva e começamos a abrandar. O caminho por onde tinhamos de passar dava para 2 pessoas lado a lado. Na minha opinião cortou um pouco a adrenalina que uma pessoa leva no início. Enquanto ainda estava cá no topo, já os primeiros iam lá em baixo, por entre trilhos, quais formigas atarefadas a levar comida para a sua rainha.

Já se via malta lá em baixo!

Os primeiros kms da prova foram corridos por single track, entre vegetação e rocha. Como estávamos no início, toda a gente levava um bom ritmo, pelo que isto não foi problemático. Quer dizer, ao que parece foi para um gajo qualquer que acho que o íamos a atrapalhar. Não descansou enquanto não ultrapassou meio mundo, mesmo que tivesse que ir fora do trilho. Cerca de 2kms à frente estava sentado numa rocha agarrado a um pé e com cara de sofrimento. Eu sei que o pessoal quer correr, mas serão assim tão bons que estão a lutar por um lugar no pódio? Valerá a pena arriscar uma lesão ou magoar alguém para ganhar 10 ou 20 posições? Ao fim de algum tempo, novo abrandamento, desta vez por causa de uma pequena, mas dura, subida de escadas. Convém dizer que as escadas não são em cimento, são em xisto, esculpidas na rocha e não têm um palmo de altura. Ou bem que levantamos a perna, ou não o subimos.

Uma bela escadaria.

Depois desta escadaria e de termos passado por uma povoação, entrámos noutro tipo de terreno. Já não íamos por single track mas por estradão. O único problema, era a subir. O outro único problema, era a serpentear pela serra. Quando estou a subir, gosto de ver o final da subida, de preferência que seja uma reta. Ali, naquela serra, os kms de curva e contra-curva pareciam nunca mais acabar. Quanto mais eu olhava para cima, mais via a estrada cheia de pontos de várias cores, preenchendo a encosta como se fosse uma árvore de natal. A meio da subida, quando finalmente de dignei a olhar para baixo, pensei que estava a ver a coisa mais fantástica de sempre. Se tivesse que apelidar este trail, seria de "Trail das formigas". Porquê, perguntam vocês? Ver aqueles estradões repletos de pessoas, todas atrás umas das outras, fez-me sempre lembrar os carreiros de formigas que tanto me fascinaram quando era miúdo.

Os "carreiros de formigas".

Foram kms sempre em constante subida, sem pausas, sem descanso, sem zonas planas que desse para correr. Fiz grande parte a andar rápido, esboçando uma corrida de vez em quando mas que não durava muito. Quando chegámos ao topo e ao km 10, foi sempre a descer até ao km16, onde estava o primeiro PAC e onde se fazia a separação das provas. Foi engraçado olhar para as placas com as setas e seguir na direção da "prova dos grandes". Tantas vezes olhei para outras setas e lhes virei costas e hoje ia seguir a direção que ela indicava. Este foi o meu primeiro grande momento, era ali que eu estava realmente a dar o passo para algo completamente novo. Desci os degraus devagar e pensativo, depois levantei a cabeça e arranquei para o meu primeiro ultra.

Mas rapidamente voltei à velocidade andamento. Do km 16 e picos até aos 20, fomos presenteados com a primeira grande parede. Demorei cerca de 30 minutos para ir do K16 ao K17. Pensei para comigo que é nestas subidas que o trabalho de reforço muscular faz diferença. E acredito que tenho feito, para quem o fez. Que não foi o meu caso. Nunca senti as pernas a não quererem mexer, mas senti que ficou muito trabalho de casa por fazer. Felizmente, do K17 ao K20, o terreno era um estradão e foi dando para correr alguma coisa. O maravilhoso de subir (sim, subir não é só mau) é que no final sou sempre brindado com um qualquer cenário que me faz esquecer o sofrimento que acabei de passar. Num local destes, rodeado por montanha e por ventoinhas eólicas, senti-me no topo do mundo, capaz de saltar e de agarrar uma nuvem. Mas isso não ia acontecer porque já estava acima das nuvens.

Para a próxima, ouve o Filipe e trata do reforço muscular!

A fotografia não faz jus à beleza da Serra.

Daqui até ao km 26 foi rápido. Outra coisa boa das subidas é que no seu final há sempre uma descida. Subi a serra por um lado e desci do outro. Em Covanca estava novo PAC. Quando lá cheguei já não levava água nenhuma na mochila. Já tinha bebido os 2L, fora o que fui bebendo nos abastecimentos. Quando pedi para encher, não havia água. Naquele que era o abastecimento a meio da prova, tinham uma bancada com pouca coisa, duas pessoas e um garrafão de água que se despejava mais rápido que o que conseguiam encher. Tinham sopa que, por nunca ter experimentado antes, não comi. Podia reagir mal, o estomago podia rejeitar. Decidi ir pelo seguro e encher-me com banana e sal. Estava, portanto, eu com uma banana enfiada na boca quando uma menina se começa a aproximar de mim. Olha para mim e diz "Eduardo?". Eu, apanhado um pouco de surpresa olho para o dorsal dela e vejo o nome Rute. O meu cérebro conseguiu reagir a tempo de perceber quem era. Era a Menina! Trocamos algumas palavras, ela diz-me que não estava à espera de tanto calor, eu digo-lhe que não estava à espera que isto fosse tão duro. Ela vai reabastecer energias e passado algum tempo diz-me que vai arrancar de novo. Eu digo que fico mais um pouco.

Estou a meio da prova, passaram 4h45m e, apesar dos empenos que já tinha sentido, tinha mais vontade de acabar que antes!